quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Da Constituição Cidadã


No último mês de outubro, mais precisamente no dia 5, a Constituição de 1988 completou 20 anos de sua promulgação. Há o que comemorar, afinal, nunca antes na história desse país (como diria o presidente Lula) o país viveu 20 anos ininterruptos de efetiva democracia. E este fato, sem dúvidas, tem muito a ver com a chamada Constituição Cidadã.

A carta de 1988, depois de 21 amargos anos de ditadura, garantiu - com todas as letras - liberdades individuais e coletivas e a efetividade da democracia brasileira. Aliás, a Constituição de 1988 - ao contrário de constituições anteriores, no Brasil e no mundo - apresenta os direitos e garantias fundamentais antes da organização do Estado e dos poderes. Isto tem um peso simbólico muito significativo. No fundo, o ser humano teve prevalência sobre o Estado.

Também são marcantes, na Constituição de 1988, os primeiros quatro artigos: referentes aos princípios fundamentais. Nesses artigos o Estado Brasileiro se compromete com a cidadania; com a dignidade da pessoa humana; com a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; com o desenvolvimento nacional; com a erradicação da pobreza; com a redução das desigualdades sociais e regionais; e com a promoção do bem de todos. Percebe-se, portanto, além de boas doses de humanismo, uma quantidade interessante de desenvolvimentismo, estatismo e nacionalismo. Curiosamente, uma antítese ao neoliberalismo, que se iniciaria poucos anos depois no Brasil.

Mas como essa faceta progressista da Constituição se deu e se explica? Vamos lá. Primeiramente, houve, por parte dos constituintes, um forte olhar ao passado. A ditadura massacrara direitos e liberdades e adotou posturas antinacionalistas e "entreguistas", aliás, um jargão muito comum à época. Nesse sentido, grande parte dos constituintes fizeram questão de, expressamente, realçar o humanismo e o nacionalismo. Inclusive, muitos (geralmente, direitistas), hoje em dia, criticam a Constituição de 1988, dizendo que os constituintes olharam muito para o passado e pouco para o futuro.

Em segundo lugar, houve um desejo muito forte do povo brasileiro de que todos os direitos... tudo o que fosse possível fosse contemplado pela constituição. As pressões populares, durante a Assembléia Nacional Constituinte, eram para que as garantias fossem para aquele momento, para já. A preocupação tinha razão de ser, pois sempre foi muito comum que dispositivos constitucionais a serem apreciados por lei complementar ou lei ordinária, não fossem nunca regulamentados.

A terceira razão se relaciona diretamente com a própria história da Assembléia Nacional Constituinte. Sua instalação se deu no início de 1987, já que os constituintes foram escolhidos nas eleições de 1986. Durante praticamente todo o ano de 1987 (até outubro, aproximadamente), as esquerdas tiveram mais voz na constituinte. A presença do MST, da CUT e de outros movimentos sociais no Congresso Nacional foi marcante nesse período. Outro dado interessante de 1987, é que, nesse ano, a constituição começou a assumir uma orientação parlamentarista. Daí a inclusão da medida provisória no texto constitucional. A MP é um dispositivo típico do sistema parlamentarista, a ser usado pelo primeiro-ministro em temas de relevância e urgência. Alguns setores da sociedade queriam dar o máximo de poder possível ao parlamento, nesse sentido eram simpáticos ao parlamentarismo.

Contudo, no final de 1987 a direita se organizou e reagiu. Surgiu o Centrão, uma aglutinação suprapartidária conservadora, ligada ao governo Sarney. Seus membros pertenciam, sobretudo, ao PFL (hoje, DEM), ao PDS (hoje, PP), ao PTB e a setores mais à direita do PMDB. Eles ecoavam os anseios da FEBRABAN, da UDR, da TFP... Portanto, de "Centrão" não tinha nada, era "Direitão" mesmo. Mas é assim, no Brasil ninguém assume ser de direita. Ou se diz de centro ou fala que a dicotomia esquerda/direita é algo já superado. Enfim... De todo modo, o Centrão a partir de sua criação passou a prevalecer na constituinte. Dessa maneira, o mandato de Sarney permaneceu sendo de 5 anos e avanços sociais foram freados, notadamente, a reforma agrária. Quanto ao sistema de governo, no final das contas, com a participação decisiva do Centrão, a vitória foi do presidencialismo. Todavia, a medida provisória foi mantida, o que para muitos, torna o sistema brasileiro uma mistura entre parlamentarismo e presidencialismo, uma vez que o presidente da república é capaz de legislar. Já em 1993, o povo brasileiro, em plebiscito, optou pela manutenção do sistema presidencialista.

De uma maneira geral, gosto da Constituição de 1988. Ela á uma carta avançada e progressista em muitos de seus pontos. Não chega a ser um documento de esquerda, apesar de seu viés humanista e estatista. Apesar de o texto por diversas vezes mencionar a igualdade e a justiça social como compromisso do Estado, não impõe, efetivamente, maiores obrigações a este. Além disso, mantiveram-se intactas todas as bases do capitalismo brasileiro. De todo modo, a constituição salientou fortemente as garantias individuais e coletivas e protegeu a democracia brasileira e suas instituições. Nesse caso, ela merece sim o epíteto: Constituição Cidadã!

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

E Obama venceu...


O democrata Barack Obama é o novo presidente dos EUA. Depois de oito terríveis anos de governo Bush, eis que a maioria dos estadunidenses e grande parte mundo respiram mais aliviados. O "dream" de Martin Luther King Jr. se concretiza e completa seu ciclo. Um representante negro dos EUA, enfim, atinge o ápice dos direitos civis e políticos, pelos quais tanto lutou Luther King. Sim, a eleição de Obama é um acontecimento histórico e emblemático, pois, simbolicamente, dentro da história norte-americana, a página do racismo foi virada.

A eleição presidencial de 2008 foi uma das poucas da história estadunidense a não deixar margem para dúvidas. Barack Obama teve mais votos populares (aproximadamente 53% dos votos, contra 47% de McCain); obteve vitória em pelo menos 28 dos 51 estados norte-americanos; entre os sete maiores e mais importantes estados, a saber: Califórnia, Texas, estado de Nova Iorque, Flórida, Illinois, Pensilvânia e Ohio, Obama só não venceu no Texas, ah o Texas... ; e conquistou pelo menos 338 delegados no colégio eleitoral, sendo que eram necessários 270 dos 538 delegados. Por tudo isso, Obama, o 44° presidente dos EUA, chega bastante legitimado ao poder.

Gostei muito da vitória de Obama. O novo presidente tem uma belíssima biografia e idéias interessantes e progressistas. Por outro lado, vem respaldado por boa parte dos setores econômicos dominantes dos EUA, prova disso é que arrecadou mais de 750 milhões de dólares durante sua campanha. De todo modo, Obama se posicionou desde sempre contra a Guerra do Iraque, participou ativamente de vários projetos sociais em Chicago e teve uma atuação muito respeitável no senado dos EUA. Quais serão suas práticas enquanto presidente... a conferir. Torço muito para que ele mantenha a coerência.

O presidente Lula gostou da eleição de Barack Obama. A presidenta Cristina Kirchner e o primeiro-ministro britânico, Gordon Browm, também. Silvio Berlusconi não gostou muito, Álvaro Uribe nem um pouco. Nicolas Sarkozy não sabe bem se gostou ou não. Hugo Chávez e Evo Morales acho que, no fundo, gostaram... eles voltarão a dialogar com os EUA. A imprensa cubana olhou com reservas, mas sem dúvidas preferia Obama à McCain. O governo cubano não se posicionou.

Assim termina mais uma eleição presidencial nos EUA. Sufrágio indireto é seu modelo; bipartidarismo engessado, sua realidade; ausência de uma justiça eleitoral federal, algo um tanto esquisito; pleito em uma terça-feira, algo bizarro; ausência de horário eleitoral gratuito no rádio e na TV... não me parece algo tão democrático, pois favorece amplamente o poder econômico. Mas é assim, nosotros brasileños só nos damos o direito de meter o bedelho nas democracias venezuelana, boliviana e equatoriana. Dessa maneira, a democracia estadunidense parece "perfeita" e inquestionável. No que se refere a ela, damos uma lição de respeito à autodeterminação dos povos!