Encerraram-se no último domingo os Jogos Olímpicos de Pequim 2008. O Brasil terminou os jogos na 23ª colocação, com 3 medalhas de ouro, 4 de prata e 8 de bronze, somando 15 medalhas no total. O presidente do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), Carlos Arthur Nuzman, considerou como bom o desempenho brasileiro. O presidente Lula considerou razoável. A imprensa se dividiu, houve quem achou boa a participação do Brasil, por outro lado teve quem achou medíocre. Na minha opinião o desempenho foi razoável, mas poderia ter sido bem melhor. A gente bronzeada poderia ter mostrado mais o seu valor. Será que o que atrapalha o Brasil seria uma espécie de complexo olímpico de vira-latas?
Vamos à história recente da participação olímpica brasileira. Os jogos de Atlanta 1996 marcaram o início de um mínimo projeto olímpico brasileiro. Nesta edição, o Brasil terminou os jogos em 25° lugar (3 ouros, 3 pratas e 9 bronzes, 15 no total). Quatro anos mais tarde, Sydney 2000, o Brasil decepcionou e fechou os jogos na péssima 53ª posição (nenhum ouro, 6 pratas e 6 bronzes, somando 12 medalhas no total). Atenas 2004 marcou o melhor desempenho brasileiro, já que o Brasil ficou na 16ª colocação (5 ouros, 2 pratas e 3 bronzes, 10 medalhas no total). Antes de Atlanta 1996 mal havia investimento e planejamento no esporte brasileiro. Os resultados até Barcelona 1992 foram pífios, sobretudo no tocante ao total de medalhas conquistadas. Em suma, somente verdadeiros abnegados traziam medalhas para o Brasil até 1996.
Os resultados melhoraram a partir de 1996 graças a dois fatores primordiais. Primeiro: os investimentos estatais aumentaram e aumentam significativamente durante os governos Fernando Henrique e Lula. Segundo: a boa gestão de Carlos Arthur Nuzman à frente do COB. O dirigente é tido como o transformador do vôlei brasileiro, uma vez que presidiu a Confederação Brasileira de Voleibol (CBV) entre 1975 e 1997. Com o ótimo desempenho do voleibol brasileiro a partir dos anos 80/90, Nuzman recebeu a missão de encabeçar o projeto olímpico do Brasil. Em 1990, ele se tornou vice-presidente do COB e em 1995 foi nomeado o presidente da instituição.
Entre outros fatores que tem melhorado o desempenho olímpico brasileiro, destaca-se a Lei Agnelo/Piva. Esta lei, sancionada em 2001, estabelece o montante mínimo dos recursos provenientes das loterias federais a ser repassado ao COB. Em 2004, surgiu a lei que instituiu a Bolsa-Atleta. Essas bolsas são fornecidas pelo Ministério do Esporte e seus valores vão de R$ 300 à R$ 2.500 para cada atleta, conforme sua categoria (estudantil, nacional, internacional e olímpica). Por fim, e à título de curiosidade, vale mencionar as principais empresas que investem no esporte olímpico brasileiro. Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Petrobrás, Correios, Infraero e Eletrobrás estão entre as empresas estatais. Olympikus, Sadia, Samsung, Bradesco, Grupo Pão de Açúcar, Sol e Oi estão entre as empresas privadas. Estas investem no esporte, seduzidas por incentivos fiscais, formalizados com a Lei de Incentivo ao Esporte, sancionada em 2006.
Isto posto, voltemos ao desempenho brasileiro em Pequim. Ele foi razoável porque o Brasil efetivamente se consolidou no grupo das potências olímpicas médias. Porém, tendo em vista o expressivo aumento dos investimentos em esporte nos últimos anos (estima-se que 1,2 bilhões de reais foram gastos em esporte, pelos cofres públicos, nos últimos quatro anos), o desempenho não foi satisfatório. Quanto a isso, sem dúvidas, há que se ter mais transparência na questão da aplicação dos recursos públicos direcionados ao esporte. Mas, não é exatamente isso que quero discutir neste texto. Outrossim, quero avaliar a participação brasileira à luz do tal complexo de vira-latas. Esta expressão foi cunhada pelo saudoso dramaturgo Nelson Rodrigues e referia-se à seleção brasileira de futebol pré-1958. Dizia ele que antes da Copa do Mundo de 1958 os brasileiros já eram os melhores do mundo no futebol. Entretanto, segundo Nelson, o que atrapalhava a seleção brasileira era um detestável complexo de vira-latas ante as principais potências futebolísticas do mundo. Assim, com o título de 1958, o Brasil teria se livrado de vez desse complexo. A partir dali o Brasil sempre figuraria entre os melhores. Isto foi comprovado com os outros quatro títulos mundiais que vieram posteriormente. Mas e nos Jogos Olímpicos? Como puderam tantos campões mundiais do Brasil terem fracassado nos jogos? Seria um complexo olímpico de vira-latas?
Penso que, em parte, sim. Antes dos jogos de Pequim, eu cravei - num cálculo otimista, mas embasado tecnicamente - em dez medalhas de ouro para o Brasil. Apostei no ouro (que é que vale no quadro de medalhas) em: Thiago Camilo (atual campeão mundial de judô entre os meio-médios); João Derly (atual bi-campeão mundial de judô entre os meio-leves); time de vôlei masculino (ganhou tudo nos últimos sete anos); time de vôlei feminino (atual campeão do Grand Prix e atual vice-campeão mundial); seleção feminina de futebol (atual vice-mundial e vice-olímpica); Robert Scheidt (campeão mundial em 2007 pela Classe Star e que já havia ganhado tudo pela Classe Laser); Rodrigo Pessoa (atual campeão olímpico no hipismo); Ricardo e Emanuel (atuais campeões olímpicos no vôlei de praia); Diego Hypólito (atual campeão mundial de ginástica artística no solo); e Jade Barbosa (com 16 anos foi terceira colocada no último mundial de ginástica artística e é tida como uma atleta em ascensão). Além desses, por seus bons resultados nas últimas competições mundiais, apostei em outros potenciais medalhistas (podendo ser ouro, prata ou bronze), foram eles: Maurren Maggi, Fabiana Murer e Jadel Gregório (Atletismo); César Cielo, Thiago Pereira e Kaio Márcio (Natação); Leandro Guilheiro e Luciano Corrêa (Judô); Natália Falavigna (Taekwondo); futebol masculino; e vôlei de praia feminino. Acertei na mosca somente um ouro e cinco medalhas. De acordo com meu prognóstico a frustração foi grande, uma vez que ela é sempre proporcional à expectativa criada.
Por outro lado, da minha lista de "medalháveis", somente João Derly não ficou entre os primeiros. E dos dez ouros que apontei, seis trouxeram alguma medalha. Sendo assim, percebe-se que a despeito da falta de transparência da utilização das verbas públicas no esporte, o Brasil hoje em dia consegue ser competitivo em várias modalidades olímpicas. Contudo, é aí que vem o complexo de vira-latas. A expressão criada por Nelson Rodrigues se refere a alguém que é superior, mas não consegue concretizar sua superioridade. Vários atletas de outros países, nas mais diversas modalidades, lidam muito melhor com o favoritismo do que os brasileiros. Até mesmo no futebol, esporte em que o Brasil se transformou no país mais temido e respeitado do mundo, os brasileiros ainda têm uma seríssima dificuldade em lidar com o favoritismo. Das cinco copas que o Brasil ganhou, em quatro ele não chegou como favorito. A exceção foi 1962. Todavia, quando os jogadores chegam criticados e sob suspeita, geralmente, eles conseguem responder bem. Talvez, só no vôlei masculino (vamos ver a partir de agora no feminino) o Brasil, hoje em dia, lida bem com o favorismo.
Não há uma explicação exata para isso. Talvez um caminho seja a psicologia, mais precisamente a psicologia do esporte. O técnico da seleção feminina de vôlei, José Roberto Guimarães, exigiu do COB um psicólogo para trabalhar a parte emocional das jogadoras. Pelo visto a iniciativa deu certo. Outro fator, talvez, seja a falta de gana necessária para ser ouro e não somente medalhista. Simbolicamente, a imprensa também tem culpa nisso com o seu derrotista "o Brasil já garantiu ao menos a prata", quando o país chega a uma final olímpica. Ora, a prata não é nada no quadro de medalhas, já que um ouro vale mais do que cem medalhas de prata. O atleta, caso estivesse entre os favoritos, tem que sair insatisfeito quando conquistar apenas a prata ou bronze. O conformismo é o pior inimigo de um verdadadeiro campeão, vide o piloto Rubens Barrichello. É isso, o atleta brasileiro tem que ter mais vontade de ser ouro. Sabendo que no esporte tudo pode acontecer, mas com a cabeça voltada para o ouro. Chineses, estadunidenses e russos pensam assim. Com isso, China, EUA e Rússia sabem jogar muito bem os jogos olímpicos, leia-se quadro de medalhas.
Dois exemplos emblemáticos da fraqueza psicológica brasileira se deram com Jade Barbosa e Fabiana Murer. Jade chegou à Pequim com um impressionante despreparo emocional. Ela simplesmente chorou de desespero ao ser abordada por um batalhão de repórteres em seu embarque na China. Ora, assédio da imprensa é a coisa mais natural na vida de um grande atleta, caso de Jade Barbosa. Quem viu a cena percebeu nitidamente que a ginasta ainda não está preparada psicologicamente para ser uma grande campeã. Tomara que isso mude, já que Jade tem muito talento. Já o caso da Fabiana Murer, atleta do salto com vara, revelou uma falta de serenidade diante das adversidades. Obviamente, foi um absurdo, uma gafe monumental da organização dos jogos, o sumiço de uma de suas varas. Agora, seu desespero, diante da adversidade, foi de tal ordem que ela acabou se auto-derrotando. Quem assistiu às imagens, percebeu que ela não teria condições nenhumas de realizar um bom salto. Dito e feito. A fenomenal Yelena Isinbayeva, sua companheira de treinamentos durante alguns meses, disse depois que poderia emprestar sua vara sem nenhum problema. Fabiana não pensou nisso e acabou obtendo um resultado frustrante. Seu desespero foi compreensível, mas poderia ter sido evitado.
Os aspectos psicológicos têm de ser melhor trabalhados nos atletas olímpicos brasileiros. E isso é bastante paupável. Se a preparação técnica, que é a mais difícil, já tiver sido feita feita, o preparo emocional se torna um simples, mas importante detalhe. Isso nos atletas de ponta, nos olímpicos. Porque na base há ainda muitíssima coisa a ser feita. O modo pelo qual o Estado brasileiro trata o esporte, enquanto fator de inclusão social e saúde pública, é vergonhoso. Números da Organização Mundial de Saúde (OMS) apontam que para cada dólar aplicado no esporte de base, economiza-se três dólares em saúde pública. O Brasil ainda não olhou seriamente para isso. Esporte, educação e saúde, enquanto políticas públicas, devem caminhar sempre de mãos atadas. Portanto, mais do que tornar o Brasil uma potência olímpica, os investimentos públicos em esporte têm a capacidade de educar, incluir e promover saúde pública. Massificar a prática do esporte só traz o bem para a população de um país. Mas os investimentos nos esportes de alto rendimento - com o conseqüente sucesso olímpico - também são importantes. Primeiro porque incentivam a prática do esporte dentro do país. Segundo porque, simbolicamente, o êxito olímpico traz uma certa auto-estima para o povo. Terceiro porque o mundo, certamente, lança bons olhos ao país.
Em resumo é isso. No Brasil, o esporte deve ser trabalhado, na base, como elemento de bem-estar social. Na outra ponta, nos esportes de alta performance, como fator de auto-estima, coesão entre os brasileiros e, claro, lançamento de oportunidades de trabalho. Esses investimentos ajudarão, inclusive, na superação do tal complexo de vira-latas. Não só nos esportes, mas também em outros aspectos. Educação, saúde e auto-estima são a base de um país bem-sucedido. Como diz o célebre provérbio latino: "mens sana in corpore sano"!