segunda-feira, 14 de novembro de 2011

História da MPB (Parte 1)





Não há dúvida de que a música brasileira é uma das mais ricas e apreciadas do mundo. Ela sintetiza muito bem a mistura de etnias que originou o povo brasileiro. Sendo assim, a música popular brasileira (MPB) reúne elementos da cultura de suas três matrizes étnicas: a européia, a indígena e a africana.


Vários foram os temas das músicas populares brasileiras. Da narração do cotidiano à exaltação do Brasil, todo tipo de assunto foi abordado por seus compositores. Mas um traço marcante da MPB é o seu engajamento em relação aos temas que marcaram a história do país. As perseguições, a repressão, a censura e todo tipo de injustiça foram amplamente tratadas por seus músicos. Mas como tudo isso surgiu?


Desde a época colonial (1500-1822) sempre se fez música no Brasil. Nesse período destacaram-se dois estilos musicais: a modinha e o lundu. A modinha surgiu a partir das elites portuguesas que viviam no Brasil. Já o lundu surgiu a partir de escravos africanos, que através de muito batuque e danças sensuais remontavam suas origens ancestrais. O curioso é que o lundu rapidamente pegou elementos da cultura portuguesa e por isso pode ser considerado o primeiro estilo musical genuinamente brasileiro.


Mais tarde, já no século XIX, surgiu no Brasil o choro ou chorinho, estilo musical que também trouxe características da música européia e da africana. O primeiro grande nome do chorinho foi a pianista Chiquinha Gonzaga, que aliás é tida como a primeira compositora popular do Brasil.


O chorinho percorreu todo o século XX e até hoje tem muito espaço na música popular brasileira. Dessa forma, vários chorinhos foram compostos durante o século passado, entre os quais eu destacaria os clássicos: Brasileirinho e Pedacinho do céu. As duas composições são de Waldir Azevedo, o que o torna, sem dúvidas, um dos grandes nomes da MPB.


Outro ritmo brasileiro surgido no século XIX e notabilizado no século XX é o samba. Este ritmo tem origem na Bahia, mas repercutiu mesmo na então capital do país, o Rio de Janeiro. O samba possui vários gêneros, entre os quais: o samba de roda, o samba-canção, o samba-enredo e o partido-alto. Claramente, o samba é hoje o principal ritmo brasileiro, porém em seu início, os sambistas foram duramente perseguidos pelas autoridades brasileiras. O ritmo era considerado música de malandro e vagabundo. Sem dúvida, o racismo e o classismo foram os principais elementos dessas perseguições.


Mas aos poucos o samba foi conquistando seu espaço. Até que no ano de 1917 foi gravado o primeiro samba da história. Trata-se de Pelo Telefone, composta por Donga. Esta música aborda uma grande novidade tecnológica da época, o telefone. Vale ressaltar, como curiosidade, que 80 anos mais tarde, Gilberto Gil compôs Pela Internet, música que fala do surgimento de outra grande novidade, nesse caso, da internet. Gil se inspirou em Donga nesta releitura histórica.


Com o passar do tempo, grandes músicos foram surgindo. Nas décadas de 10, 20, 30, 40 e 50, apareceram mestres como: Noel Rosa, Pixinguinha, Lamartine Babo, Ary Barroso, Cartola, Dolores Duran, Dorival Caymmi e Luiz Gonzaga.


Noel Rosa foi um grande sambista carioca. Cantor e compositor de grande talento, Noel tocava também violão e bandolim. Muito boêmio, o sambista acabou morrendo muito jovem (26 anos), vítima de tuberculose. Mesmo vivendo pouco, compôs centenas de canções, entre as quais eu destacaria Conversa de Botequim. Nesta música, ele mostra o cotidiano de um típico bar carioca, narrando a relação entre o cliente e o garçom do botequim.


Pixinguinha foi outro sambista carioca de grande talento. Flautista, saxofonista, compositor e arranjador, ele também marcou seu nome na história da MPB. Sem dúvida, seu grande clássico é Carinhoso. Com letra de João de Barro e música de Pixinguinha, a canção fala de um amor não correspondido. O amor pode não ser correspondido, mas mesmo assim o personagem da letra não perde a esperança: “só assim então serei feliz”.


Outro sambista importante da música popular brasileira foi o também carioca Lamartine Babo. Notável autor de marchinhas de carnaval, Lamartine compôs também os hinos de todos os grandes clubes do futebol carioca. Para evitar polêmicas de preferência clubística, destaco sua marchinha mais conhecida: o teu cabelo não nega.


Ary Barroso era mineiro, mas fez carreira artística no Rio de Janeiro. Ary foi um grande compositor de músicas e também um importante radialista. Morou na cidade maravilhosa dos 17 anos de idade até sua morte aos 62. Seu grande sucesso inegavelmente foi a belíssima Aquarela do Brasil. Esta canção exalta as qualidades e grandiosidades do Brasil, por isso foi qualificada como “samba-exaltação”. Criticada por uns e adorada por outros, Aquarela do Brasil notabilizou-se como uma das principais músicas da história da MPB.


Para fechar, por enquanto, a lista de grandes sambistas, não poderia faltar Cartola. Além de exímio compositor e grande violinista, ele foi um dos fundadores da escola de samba Mangueira. Em sua fase mais criativa, Cartola compôs algumas obras primas da música popular brasileira. Sua canção mais conhecida é As Rosas não Falam, um grande sucesso.


Ainda no Rio de Janeiro, mas saindo um pouco do universo do samba, cabe destacar a talentosíssima Dolores Duran. Esta grande compositora infelizmente faleceu muito jovem, aos 29 anos, e portanto poderia ter contribuído ainda muito mais com a MPB. De Dolores eu elejo, como música mais bela, A noite do meu bem.


Saindo do Rio de Janeiro e viajando para a região nordeste, temos que lembrar de Dorival Caymmi. Nascido em Salvador, ele compôs suas músicas inspirado nas ricas tradições do povo baiano. O sofrimento dos negros, as histórias dos pescadores e a sensualidade da mulher baiana foram alguns dos ingredientes usados por Caymmi em suas composições. Maracangalha é um de seus grandes sucessos.


Outro grande cantor e compositor nordestino, este do Pernambuco, foi Luiz Gonzaga. Conhecido como o rei do baião (um dos ritmos que formam o forró), Gonzaga descreveu para todo o Brasil o estilo de vida do sertanejo nordestino, da alegria de suas festas juninas ao sofrimento trazido pelas secas e pela opressão dos latifundiários locais. Autor de dezenas de grandes sucessos, sua canção mais conhecida é Asa Branca. Acho que ela dispensa comentários.


Eis que no final da década de 50 surge no Brasil um ritmo brasileiro que se tornaria internacionalmente conhecido, a bossa nova. Seus grandes nomes: João Gilberto, Tom Jobim e Vinícius de Moraes. As duas canções mais conhecidas da Bossa Nova são Chega de saudade e Garota de Ipanema. Ambas são de Tom e Vinícius. Já João Gilberto foi quem inventou a batida da bossa nova, daí sua grande importância para o ritmo.


A década de 60 foi marcada por grandes turbulências políticas no Brasil. Em 1964 os militares tomaram o poder por meio de um golpe de Estado. Obviamente os compositores brasileiros se viram compelidos a protestar. Daí grandes artistas brasileiros foram revelados tais como: Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Geraldo Vandré, entre vários outros.


Caetano compôs Alegria, Alegria, uma canção de protesto contra o regime militar. Chico compôs várias músicas marcantes. A Banda, uma inocente canção, foi seu primeiro sucesso. Cálice foi um soco na boca do estômago dos militares. Apesar de Você foi um grito escancarado de insatisfação contra a ditadura. E Construção revela a opressão política e econômica que assolavam os operários brasileiros.


Já Gilberto Gil compôs a grande música Domingo no Parque, um dos símbolos do movimento artístico denominado Tropicália. E Geraldo Vandré fez Pra não dizer que não Falei das Flores e Disparada. A primeira era quase um panfleto convocando a população brasileira para as ruas. E a segunda revelava outro traço importante do Brasil na década de 60, a transformação do país de rural para urbano. Nota: todos esses artistas foram duramente perseguidos pela ditadura militar brasileira.


Ainda na década de 60 surgiu outro movimento de grande relevância para a história da MPB: a Jovem Guarda. Influenciados pelo Rock and Roll, artistas como Roberto Carlos, Erasmo Carlos, Wanderléa, Celly Campelo etc. arrastaram multidões com suas músicas. As letras falavam sobre o comportamento dos jovens da classe média, principalmente seus romances, suas diversões e suas rebeldias. O movimento era apolítico, daí muita gente, sobretudo opositores do regime militar, torcer o nariz para a Jovem Guarda. Seus integrantes eram tidos como “alienados”, um termo muito comum à época.


Da Jovem Guarda eu destacaria O Bom (de Eduardo Araújo), música que fala de “carrão” e de paqueras; Festa de Arromba (Roberto Carlos); Quero que vá tudo para o Inferno (Roberto e Erasmo), letra sobre amores e desencantos amorosos; e Biquíni de Bolinha Amarelinha (Celly Campelo), canção que aborda o novo comportamento jovem de então, no caso as roupas curtas das moças.

História da MPB (parte 2)









A partir da década de 70, muitos artistas foram revelados pela música popular brasileira. Nomes como Elis Regina, Raul Seixas, Rita Lee, Fagner, Tim Maia, Jorge Ben e Clara Nunes enriqueceram ainda mais a história de nossa música.

A gaúcha Elis Regina é tida por muitos como a maior cantora da história da MPB. Na voz de Elis merecem destaque a belíssima Como nossos pais (letra de Belchior), música que aborda a relação entre pais e filhos. E O bêbado e a equilibrista (música de João Bosco e Aldir Blanc), canção que ficou conhecida como o samba da anistia, pois menciona a volta dos exilados políticos ao Brasil em 1979.

Outro grande nome da MPB é o baiano Raul Seixas. Raulzito, como era conhecido, fez uma grande mistura de ritmos, principalmente do rock com a música nordestina. De Raul eu destacaria Ouro de tolo, canção de 1973, que aborda o chamado milagre econômico brasileiro e a conseqüente apatia política da maior parte da classe média no Brasil à época.

Da paulista Rita Lee, o destaque vai para Alô, Alô, Marciano, música em que Rita narra para um ET o quão está confuso e complicado o planeta Terra. Do cearense Fagner eu ressalto Canteiros, bela canção com letra baseada na poesia de Cecília Meirelles. Do carioca Tim Maia eu destacaria Imunização racional, música em que Tim se revela um adepto da “filosofia racional”, doutrina contida no livro Universo em Desencanto. Do também carioca Jorge Ben (hoje Jorge Ben Jor) vale destacar W Brasil, música que faz uma espécie de raio-x do Brasil do final do século XX.

Outro grande nome da MPB é Clara Nunes. Nascida no interior de Minas Gerais, ela fez carreira musical primeiro em Belo Horizonte, depois no Rio de Janeiro. Na cidade maravilhosa, a cantora teve um contato maior com o samba e a partir disso não parou de fazer sucesso. Na voz de Clara, o grande destaque vai para Canto das três raças, letra que narra o quanto foi sofrido o processo de construção do povo brasileiro.

Ainda dentro do samba não poderia faltar uma menção ao grande Adoniran Barbosa. Sambista nascido em São Paulo, Adoniran colocou em suas músicas o jeito que o paulista simples falava. “Tiro ao álvaro” (tiro ao alvo), “frechada” (flechada) e “tauba” (tábua) são alguns exemplos disso. Seu grande sucesso: Trem das Onze. “Não posso ficar nem mais um minuto com você, sinto muito amor, mas não pode ser. Moro em Jaçanã, se eu perder esse trem, que sai agora às onze horas, só amanhã de manhã”. Adoniran Barbosa foi o grande compositor do chamado “samba paulista”.

Eis que chegamos à década de 80, época em que a MPB ficou marcada pelo rock e pela música de protesto como um todo. Talvez o maior símbolo dessa época seja a banda brasiliense Legião Urbana. Em Que país é este a Legião escancara os problemas do Brasil daquele momento. Já em Tempo Perdido a temática gira em torno da juventude candanga.

De São Paulo surgiram os Titãs. Em Homem Primata, o grupo paulistano faz ácidas críticas ao capitalismo (selvagem). Já a banda carioca Paralamas do Sucesso (carioca, mas que começou sua jornada em Brasília) em A Novidade critica as altíssimas desigualdades sociais dos anos 80. E os brasilienses da Plebe Rude em Até quando esperar abordam a péssima distribuição de renda do nosso país.

Ainda na década de 80 surgiu no cenário da MPB o carioca Cazuza. Em Ideologia, o cantor fala das desilusões e da falta de perspectiva para um futuro melhor. Enquanto que o grupo gaúcho Engenheiros do Hawaii regravou Era um garoto que como eu amava os Beatles e os Rolling Stones, canção que narra os horrores da Guerra do Vietnã.

Não podemos deixar de mencionar o paraibano Zé Ramalho. Em 1979 ele compôs Admirável Gado Novo. Mas essa música se encaixa perfeitamente na década de 90, afinal, tem tudo a ver com a luta do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). “Êeeeeh, ôooooh, vida de gado, povo marcado, êh, povo feliz”!

Na década de 90 mesmo surgiram a banda carioca O Rappa e o grupo paulistano de rap Racionais MC’s. Do Rappa vale destacar Minha Alma, canção que fala da insegurança, da falta de liberdade de quem mora num condomínio fechado e do tédio de uma tarde de domingo. Dos Racionais eu destacaria Capítulo 4, Versículo 3, rap de 1997, que é quase uma profecia do final do milênio.

Então é isso. Esta foi uma brevíssima história da MPB.