terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Pra não dizer que não falei das flores




No último dia 13, completaram-se 40 anos da decretação do Ato Institucional n° 5, para muitos o ato mais autoritário da história política brasileira. O decretum terrible, nas palavras do historiador Carlos Fico. Para Elio Gaspari, o ato iniciou uma nova fase dentro da ditadura militar brasileira, a Ditadura Escancarada. Em suma, decretou-se o golpe dentro do golpe.

Com efeito, o AI-5 foi gestado pelo menos duas décadas antes. Os contatos das forças armadas brasileiras com as estadunidenses durante a Segunda Guerra Mundial nutriu uma grande admiração daquelas em relação a estas. Dessa forma, já no imediato pós-guerra, em 1949, foi criada no Brasil a Escola Superior de Guerra (ESG). Coube a ESG a formulação da chamada Doutrina de Segurança Nacional e Desenvolvimento. Essa doutrina esmiuçou no Brasil vários elementos típicos do período da Guerra Fria. Termos como "inimigo interno", "defesa nacional", "guerra total", "império soviético", "contra-revolução" deram o tom das elaborações da ESG.

Mas o que isso tem a ver com o AI-5? Ora, o AI-5 abarcou, aprofundou e decretou todos esses elementos trabalhados pela ESG. O decretum terrible visou um controle quadripartite da sociedade brasileira, a saber: controle político, econômico, psicossocial e militar. Tudo isso refere-se frontalmente à Doutrina de Segurança Nacional e Desenvolvimento.

Viajemos então ao ano de 1968. Os militares da chamada linha dura (que haviam chegado ao poder com Costa e Silva em 1967) precisavam de um mote para colocar integralmente em prática os pressupostos da referida doutrina e, consequentemente, fechar ainda mais o regime. De fato, 1968 foi um ano bastante turbulento e, portanto, pretextos não faltaram para o golpe dentro do golpe. Inclusive, há documentos que atestam que o AI-5 já estava pronto em julho de 1968. Mas a linha dura esperava o momento certo. E ele começou a ganhar corpo em setembro. Poucos antes das comemorações de 7 de setembro, o deputado Márcio Moreira Alves (MDB-GB) fez um discurso inflamado e provocativo na tribuna da Câmara dos Deputados. Nele, Moreira Alves insuflou a população brasileira a boicotar os desfiles de 7 de setembro. E ainda propôs às jovens brasileiras que não se envolvessem com os jovens militares, os cadetes. O interessante é que o discurso não teve efetivamente maiores pretensões, tanto é que os jornais do dia seguinte não deram nenhuma repercussão ao caso. Não obstante, poderia ser exatamente o pretexto que os militares precisavam.

Sendo assim, a cúpula do governo Costa e Silva pediu à Câmara dos Deputados uma licença para que Márcio Moreira Alves pudesse ser processado. Após os trâmites regimentais da Câmara, enfim no dia 12 de dezembro foi feita a votação acerca da licença. A maioria dos deputados foi favorável à continuidade incólume do mandato de Moreira Alves. O detalhe é que o regime tinha confortável maioria nas duas casas, logo, muitos deputados arenistas votaram contra o governo.

Indignado com a decisão, o presidente Costa e Silva convocou uma reunião do Conselho de Segurança Nacional (cúpula militar e cúpula do governo). Era a "Missa Negra" ou a "terrível noite que durou dez anos". Palco: Palácio Laranjeiras. Atores: presidente da república, vice-presidente da república, principais ministros e principais líderes militares. Saldo da reunião: decretação do Ato Institucional n° 5. Tempo de validade do ato: indeterminado.

O Ato Institucional n° 5 foi simplesmente a consagração do "anti-direito". Com ele o presidente da república podia dissolver o Congresso Nacional, qualquer Assembléia Legislativa ou qualquer Câmara Municipal por tempo indeterminado. Podia cassar direitos políticos, tendo o cidadão mandato ou não. Podia demitir ministros do Supremo Tribunal Federal. Podia demitir qualquer servidor público (civil ou militar), sem qualquer processo, sob a simples alegação "a bem do serviço público". Podia fixar residência para qualquer cidadão, tipo: "você só pode morar ali". Podia vetar a locomoção de qualquer cidadão, tipo: "você só viaja dentro do país ou para o exterior com a autorização do governo". Podia legislar por decreto-lei.

Além disso tudo, o decretum terrible também proibiu qualquer reunião de cunho político, recrudesceu a censura e estabeleceu a censura prévia. As arbitrariedades não paravam por aí. O AI-5 ainda cassou o habeas corpus em casos de crime político. Em outras palavras, militantes políticos enquadrados na Lei de Segurança Nacional não podiam responder o processo em liberdade. Aliás, os primeiros 15 dias os presos passavam incomunicáveis. Elementar: eram nesses dias que as torturas corriam soltas.

No final de 1978 o AI-5 foi revogado. Felizmente, o Brasil virou essa página infeliz de nossa história, como diria Chico Buarque. Mas é imperativo visitarmos todas as páginas do livro chamado Brasil, inclusive as páginas infelizes. E por essas e outras é que temos que concordar com o ex-premier britânico Winston Churchill: "a democracia é o pior dos regimes, com exceção de todos os demais"!

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Da Constituição Cidadã


No último mês de outubro, mais precisamente no dia 5, a Constituição de 1988 completou 20 anos de sua promulgação. Há o que comemorar, afinal, nunca antes na história desse país (como diria o presidente Lula) o país viveu 20 anos ininterruptos de efetiva democracia. E este fato, sem dúvidas, tem muito a ver com a chamada Constituição Cidadã.

A carta de 1988, depois de 21 amargos anos de ditadura, garantiu - com todas as letras - liberdades individuais e coletivas e a efetividade da democracia brasileira. Aliás, a Constituição de 1988 - ao contrário de constituições anteriores, no Brasil e no mundo - apresenta os direitos e garantias fundamentais antes da organização do Estado e dos poderes. Isto tem um peso simbólico muito significativo. No fundo, o ser humano teve prevalência sobre o Estado.

Também são marcantes, na Constituição de 1988, os primeiros quatro artigos: referentes aos princípios fundamentais. Nesses artigos o Estado Brasileiro se compromete com a cidadania; com a dignidade da pessoa humana; com a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; com o desenvolvimento nacional; com a erradicação da pobreza; com a redução das desigualdades sociais e regionais; e com a promoção do bem de todos. Percebe-se, portanto, além de boas doses de humanismo, uma quantidade interessante de desenvolvimentismo, estatismo e nacionalismo. Curiosamente, uma antítese ao neoliberalismo, que se iniciaria poucos anos depois no Brasil.

Mas como essa faceta progressista da Constituição se deu e se explica? Vamos lá. Primeiramente, houve, por parte dos constituintes, um forte olhar ao passado. A ditadura massacrara direitos e liberdades e adotou posturas antinacionalistas e "entreguistas", aliás, um jargão muito comum à época. Nesse sentido, grande parte dos constituintes fizeram questão de, expressamente, realçar o humanismo e o nacionalismo. Inclusive, muitos (geralmente, direitistas), hoje em dia, criticam a Constituição de 1988, dizendo que os constituintes olharam muito para o passado e pouco para o futuro.

Em segundo lugar, houve um desejo muito forte do povo brasileiro de que todos os direitos... tudo o que fosse possível fosse contemplado pela constituição. As pressões populares, durante a Assembléia Nacional Constituinte, eram para que as garantias fossem para aquele momento, para já. A preocupação tinha razão de ser, pois sempre foi muito comum que dispositivos constitucionais a serem apreciados por lei complementar ou lei ordinária, não fossem nunca regulamentados.

A terceira razão se relaciona diretamente com a própria história da Assembléia Nacional Constituinte. Sua instalação se deu no início de 1987, já que os constituintes foram escolhidos nas eleições de 1986. Durante praticamente todo o ano de 1987 (até outubro, aproximadamente), as esquerdas tiveram mais voz na constituinte. A presença do MST, da CUT e de outros movimentos sociais no Congresso Nacional foi marcante nesse período. Outro dado interessante de 1987, é que, nesse ano, a constituição começou a assumir uma orientação parlamentarista. Daí a inclusão da medida provisória no texto constitucional. A MP é um dispositivo típico do sistema parlamentarista, a ser usado pelo primeiro-ministro em temas de relevância e urgência. Alguns setores da sociedade queriam dar o máximo de poder possível ao parlamento, nesse sentido eram simpáticos ao parlamentarismo.

Contudo, no final de 1987 a direita se organizou e reagiu. Surgiu o Centrão, uma aglutinação suprapartidária conservadora, ligada ao governo Sarney. Seus membros pertenciam, sobretudo, ao PFL (hoje, DEM), ao PDS (hoje, PP), ao PTB e a setores mais à direita do PMDB. Eles ecoavam os anseios da FEBRABAN, da UDR, da TFP... Portanto, de "Centrão" não tinha nada, era "Direitão" mesmo. Mas é assim, no Brasil ninguém assume ser de direita. Ou se diz de centro ou fala que a dicotomia esquerda/direita é algo já superado. Enfim... De todo modo, o Centrão a partir de sua criação passou a prevalecer na constituinte. Dessa maneira, o mandato de Sarney permaneceu sendo de 5 anos e avanços sociais foram freados, notadamente, a reforma agrária. Quanto ao sistema de governo, no final das contas, com a participação decisiva do Centrão, a vitória foi do presidencialismo. Todavia, a medida provisória foi mantida, o que para muitos, torna o sistema brasileiro uma mistura entre parlamentarismo e presidencialismo, uma vez que o presidente da república é capaz de legislar. Já em 1993, o povo brasileiro, em plebiscito, optou pela manutenção do sistema presidencialista.

De uma maneira geral, gosto da Constituição de 1988. Ela á uma carta avançada e progressista em muitos de seus pontos. Não chega a ser um documento de esquerda, apesar de seu viés humanista e estatista. Apesar de o texto por diversas vezes mencionar a igualdade e a justiça social como compromisso do Estado, não impõe, efetivamente, maiores obrigações a este. Além disso, mantiveram-se intactas todas as bases do capitalismo brasileiro. De todo modo, a constituição salientou fortemente as garantias individuais e coletivas e protegeu a democracia brasileira e suas instituições. Nesse caso, ela merece sim o epíteto: Constituição Cidadã!

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

E Obama venceu...


O democrata Barack Obama é o novo presidente dos EUA. Depois de oito terríveis anos de governo Bush, eis que a maioria dos estadunidenses e grande parte mundo respiram mais aliviados. O "dream" de Martin Luther King Jr. se concretiza e completa seu ciclo. Um representante negro dos EUA, enfim, atinge o ápice dos direitos civis e políticos, pelos quais tanto lutou Luther King. Sim, a eleição de Obama é um acontecimento histórico e emblemático, pois, simbolicamente, dentro da história norte-americana, a página do racismo foi virada.

A eleição presidencial de 2008 foi uma das poucas da história estadunidense a não deixar margem para dúvidas. Barack Obama teve mais votos populares (aproximadamente 53% dos votos, contra 47% de McCain); obteve vitória em pelo menos 28 dos 51 estados norte-americanos; entre os sete maiores e mais importantes estados, a saber: Califórnia, Texas, estado de Nova Iorque, Flórida, Illinois, Pensilvânia e Ohio, Obama só não venceu no Texas, ah o Texas... ; e conquistou pelo menos 338 delegados no colégio eleitoral, sendo que eram necessários 270 dos 538 delegados. Por tudo isso, Obama, o 44° presidente dos EUA, chega bastante legitimado ao poder.

Gostei muito da vitória de Obama. O novo presidente tem uma belíssima biografia e idéias interessantes e progressistas. Por outro lado, vem respaldado por boa parte dos setores econômicos dominantes dos EUA, prova disso é que arrecadou mais de 750 milhões de dólares durante sua campanha. De todo modo, Obama se posicionou desde sempre contra a Guerra do Iraque, participou ativamente de vários projetos sociais em Chicago e teve uma atuação muito respeitável no senado dos EUA. Quais serão suas práticas enquanto presidente... a conferir. Torço muito para que ele mantenha a coerência.

O presidente Lula gostou da eleição de Barack Obama. A presidenta Cristina Kirchner e o primeiro-ministro britânico, Gordon Browm, também. Silvio Berlusconi não gostou muito, Álvaro Uribe nem um pouco. Nicolas Sarkozy não sabe bem se gostou ou não. Hugo Chávez e Evo Morales acho que, no fundo, gostaram... eles voltarão a dialogar com os EUA. A imprensa cubana olhou com reservas, mas sem dúvidas preferia Obama à McCain. O governo cubano não se posicionou.

Assim termina mais uma eleição presidencial nos EUA. Sufrágio indireto é seu modelo; bipartidarismo engessado, sua realidade; ausência de uma justiça eleitoral federal, algo um tanto esquisito; pleito em uma terça-feira, algo bizarro; ausência de horário eleitoral gratuito no rádio e na TV... não me parece algo tão democrático, pois favorece amplamente o poder econômico. Mas é assim, nosotros brasileños só nos damos o direito de meter o bedelho nas democracias venezuelana, boliviana e equatoriana. Dessa maneira, a democracia estadunidense parece "perfeita" e inquestionável. No que se refere a ela, damos uma lição de respeito à autodeterminação dos povos!

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Eleições 2008: um breve balanço




Realizaram-se, no último domingo (05/10), eleições municipais em todo o Brasil, à exceção de Fernando de Noronha e do Distrito Federal. Delas se puderam extrair algumas novidades. Mas houve também a ratificação de alguns aspectos importantes nas urnas.

O principal deles é a confirmação insofismável de que dado mandatário não transfere votos, facilmente, a outra pessoa. Isso se revelou muito claramente na eleição para a prefeitura de Belo Horizonte. Personagens centrais: o governador de Minas Gerais, Aécio Neves, o atual prefeito de BH, Fernando Pimentel e o candiadato à prefeitura, Márcio Lacerda. Aécio (PSDB), nas palavras de Juca Kfouri, um misto de socialite e yuppie, e Pimentel (PT) se uniram e juntos resolveram lançar e apoiar a candidatura do magnata Márcio Lacerda (PSB). Disso, surgiu uma mais do que improvável aliança entre PT e PSDB, já que ambos protagonizam a maior rivalidade partidária da história recente da política no Brasil. Mas até aí nada de mais, alianças casuístas não são nenhuma novidade na política brasileira.

O que de fato surpreendeu foi o equilíbrio entre Lacerda e o candidato Leonardo Quintão (PMDB) no primeiro turno. Os dois terminaram empatados tecnicamente e disputarão a prefeitura no segundo turno. Ora, houve quem dissesse que Aécio e Pimentel, dois dos grandes líderes da política de BH e de Minas, juntos conseguiriam eleger até um poste. O povo de Belo Horizonte mostrou que não é bem assim e o páreo está completamente indefinido. Como diria Mané Garrincha: "só faltou combinar com os russos"!

Há outros exemplos parecidos na história política brasileira. Nas eleições presidenciais de 1960, Juscelino Kubitschek, popularíssimo àquela altura, não conseguiu eleger seu sucessor, o marechal Henrique Teixeira Lott. Aqui no DF, em 1994, o à época todo-poderoso governador Joaquim Roriz não elegeu seu afilhado político, Valmir Campelo. Nessas ocasiões, Jânio Quadros e Cristovam Buarque, respectivamente, sagraram-se vencedores.

Outros municípios: na cidade de São Paulo, vale mencionar as derrotas acachapantes do malufismo e da opus dei. Paulo Maluf (PP) e Geraldo Alckmin (PSDB) tiveram votações bem abaixo de suas expectativas. O segundo turno terá de um lado o atual prefeito Gilberto Kassab (DEM), apoiado pelo governador do estado de São Paulo, José Serra (PSDB). Do outro, a ex-prefeita Marta Suplicy (PT), apoiada pelo presidente Lula. Favoritismo para Kassab, uma vez que receberá o apoio de Alckmin, o terceiro colocado. Vale lembrar também, que Lula, embora tenha vencido com certa folga as eleições presidenciais de 2006, perdeu na capital paulista, nos dois turnos, exatamente para Geraldo Alckmin.

No Rio, vale destacar a surpreendente escalada de Fernando Gabeira (PV), que irá ao segundo turno. Ele enfrentará Eduardo Paes (PMDB), candidato que terá o apoio expresso do governador Sérgio Cabral e velado do presidente Lula. Grandes derrotados: o senador Marcelo Crivella (PRB) e sua Igreja Universal do Reino de Deus. Além do atual prefeito, César Maia (DEM), que viu sua candidata, Solange Amaral, ter um desempenho pífio.

Em Salvador, a exemplo das eleições de 2006, mais uma derrota do carlismo. O outrora favorito, ACM Neto (DEM), sequer chegou ao segundo turno. Sendo assim, a disputa será entre João Henrique Carneiro (PMDB), apoiado pelo ministro da integração nacional, Gedel Vieira Lima, versus Walter Pinheiro (PT), que terá o apoio do governador Jaques Wagner, seu correligionário. O presidente Lula, provavelmente, ficará neutro. Talvez apoie veladamente o candidato do PT.

Em Porto Alegre, a disputa em segundo turno será entre o atual prefeito José Fogaça (PMDB) e Maria do Rosário (PT). Apesar da candidata petista ter ficado em segundo lugar no primeiro turno, ela terá grandes chances de vitória no segundo. Isso porque a terceira colocada, Manuela d'Ávila (PCdoB), e a quarta, Luciana Genro (PSOL), tiveram votação expressiva e pertencem a partidos de esquerda, tal qual Maria do Rosário. Portanto, o voto de ambas deverão em maioria migrar para a candidata do PT.

Então é isso. Como sempre gosto de me posicionar sobre o que escrevo. Estou com Marta, em São Paulo; Gabeira, no Rio; Walter Pinheiro, em Salvador; e Maria do Rosário, em Porto Alegre. Em Belo Horizonte, não tenho preferência por nenhum dos dois candidatos. Ah, já ia me esquecendo... entre as sempre presentes patacoadas e fanfarronices eleitorais, destaca-se a eleição de Túlio Maravilha. O centroavante do Vila Nova foi o terceiro vereador mais votado de Goiânia e entre 2009 e 2013 "representará" seus habitantes na câmara municipal. Está virando moda, em 2006, o ex-centroavante do Paysandu, Robson, o Robgol, foi eleito deputado estadual no Pará. Tragicômico!

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Complexo Olímpico de Vira-Latas?






Encerraram-se no último domingo os Jogos Olímpicos de Pequim 2008. O Brasil terminou os jogos na 23ª colocação, com 3 medalhas de ouro, 4 de prata e 8 de bronze, somando 15 medalhas no total. O presidente do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), Carlos Arthur Nuzman, considerou como bom o desempenho brasileiro. O presidente Lula considerou razoável. A imprensa se dividiu, houve quem achou boa a participação do Brasil, por outro lado teve quem achou medíocre. Na minha opinião o desempenho foi razoável, mas poderia ter sido bem melhor. A gente bronzeada poderia ter mostrado mais o seu valor. Será que o que atrapalha o Brasil seria uma espécie de complexo olímpico de vira-latas?

Vamos à história recente da participação olímpica brasileira. Os jogos de Atlanta 1996 marcaram o início de um mínimo projeto olímpico brasileiro. Nesta edição, o Brasil terminou os jogos em 25° lugar (3 ouros, 3 pratas e 9 bronzes, 15 no total). Quatro anos mais tarde, Sydney 2000, o Brasil decepcionou e fechou os jogos na péssima 53ª posição (nenhum ouro, 6 pratas e 6 bronzes, somando 12 medalhas no total). Atenas 2004 marcou o melhor desempenho brasileiro, já que o Brasil ficou na 16ª colocação (5 ouros, 2 pratas e 3 bronzes, 10 medalhas no total). Antes de Atlanta 1996 mal havia investimento e planejamento no esporte brasileiro. Os resultados até Barcelona 1992 foram pífios, sobretudo no tocante ao total de medalhas conquistadas. Em suma, somente verdadeiros abnegados traziam medalhas para o Brasil até 1996.

Os resultados melhoraram a partir de 1996 graças a dois fatores primordiais. Primeiro: os investimentos estatais aumentaram e aumentam significativamente durante os governos Fernando Henrique e Lula. Segundo: a boa gestão de Carlos Arthur Nuzman à frente do COB. O dirigente é tido como o transformador do vôlei brasileiro, uma vez que presidiu a Confederação Brasileira de Voleibol (CBV) entre 1975 e 1997. Com o ótimo desempenho do voleibol brasileiro a partir dos anos 80/90, Nuzman recebeu a missão de encabeçar o projeto olímpico do Brasil. Em 1990, ele se tornou vice-presidente do COB e em 1995 foi nomeado o presidente da instituição.

Entre outros fatores que tem melhorado o desempenho olímpico brasileiro, destaca-se a Lei Agnelo/Piva. Esta lei, sancionada em 2001, estabelece o montante mínimo dos recursos provenientes das loterias federais a ser repassado ao COB. Em 2004, surgiu a lei que instituiu a Bolsa-Atleta. Essas bolsas são fornecidas pelo Ministério do Esporte e seus valores vão de R$ 300 à R$ 2.500 para cada atleta, conforme sua categoria (estudantil, nacional, internacional e olímpica). Por fim, e à título de curiosidade, vale mencionar as principais empresas que investem no esporte olímpico brasileiro. Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Petrobrás, Correios, Infraero e Eletrobrás estão entre as empresas estatais. Olympikus, Sadia, Samsung, Bradesco, Grupo Pão de Açúcar, Sol e Oi estão entre as empresas privadas. Estas investem no esporte, seduzidas por incentivos fiscais, formalizados com a Lei de Incentivo ao Esporte, sancionada em 2006.

Isto posto, voltemos ao desempenho brasileiro em Pequim. Ele foi razoável porque o Brasil efetivamente se consolidou no grupo das potências olímpicas médias. Porém, tendo em vista o expressivo aumento dos investimentos em esporte nos últimos anos (estima-se que 1,2 bilhões de reais foram gastos em esporte, pelos cofres públicos, nos últimos quatro anos), o desempenho não foi satisfatório. Quanto a isso, sem dúvidas, há que se ter mais transparência na questão da aplicação dos recursos públicos direcionados ao esporte. Mas, não é exatamente isso que quero discutir neste texto. Outrossim, quero avaliar a participação brasileira à luz do tal complexo de vira-latas. Esta expressão foi cunhada pelo saudoso dramaturgo Nelson Rodrigues e referia-se à seleção brasileira de futebol pré-1958. Dizia ele que antes da Copa do Mundo de 1958 os brasileiros já eram os melhores do mundo no futebol. Entretanto, segundo Nelson, o que atrapalhava a seleção brasileira era um detestável complexo de vira-latas ante as principais potências futebolísticas do mundo. Assim, com o título de 1958, o Brasil teria se livrado de vez desse complexo. A partir dali o Brasil sempre figuraria entre os melhores. Isto foi comprovado com os outros quatro títulos mundiais que vieram posteriormente. Mas e nos Jogos Olímpicos? Como puderam tantos campões mundiais do Brasil terem fracassado nos jogos? Seria um complexo olímpico de vira-latas?

Penso que, em parte, sim. Antes dos jogos de Pequim, eu cravei - num cálculo otimista, mas embasado tecnicamente - em dez medalhas de ouro para o Brasil. Apostei no ouro (que é que vale no quadro de medalhas) em: Thiago Camilo (atual campeão mundial de judô entre os meio-médios); João Derly (atual bi-campeão mundial de judô entre os meio-leves); time de vôlei masculino (ganhou tudo nos últimos sete anos); time de vôlei feminino (atual campeão do Grand Prix e atual vice-campeão mundial); seleção feminina de futebol (atual vice-mundial e vice-olímpica); Robert Scheidt (campeão mundial em 2007 pela Classe Star e que já havia ganhado tudo pela Classe Laser); Rodrigo Pessoa (atual campeão olímpico no hipismo); Ricardo e Emanuel (atuais campeões olímpicos no vôlei de praia); Diego Hypólito (atual campeão mundial de ginástica artística no solo); e Jade Barbosa (com 16 anos foi terceira colocada no último mundial de ginástica artística e é tida como uma atleta em ascensão). Além desses, por seus bons resultados nas últimas competições mundiais, apostei em outros potenciais medalhistas (podendo ser ouro, prata ou bronze), foram eles: Maurren Maggi, Fabiana Murer e Jadel Gregório (Atletismo); César Cielo, Thiago Pereira e Kaio Márcio (Natação); Leandro Guilheiro e Luciano Corrêa (Judô); Natália Falavigna (Taekwondo); futebol masculino; e vôlei de praia feminino. Acertei na mosca somente um ouro e cinco medalhas. De acordo com meu prognóstico a frustração foi grande, uma vez que ela é sempre proporcional à expectativa criada.

Por outro lado, da minha lista de "medalháveis", somente João Derly não ficou entre os primeiros. E dos dez ouros que apontei, seis trouxeram alguma medalha. Sendo assim, percebe-se que a despeito da falta de transparência da utilização das verbas públicas no esporte, o Brasil hoje em dia consegue ser competitivo em várias modalidades olímpicas. Contudo, é aí que vem o complexo de vira-latas. A expressão criada por Nelson Rodrigues se refere a alguém que é superior, mas não consegue concretizar sua superioridade. Vários atletas de outros países, nas mais diversas modalidades, lidam muito melhor com o favoritismo do que os brasileiros. Até mesmo no futebol, esporte em que o Brasil se transformou no país mais temido e respeitado do mundo, os brasileiros ainda têm uma seríssima dificuldade em lidar com o favoritismo. Das cinco copas que o Brasil ganhou, em quatro ele não chegou como favorito. A exceção foi 1962. Todavia, quando os jogadores chegam criticados e sob suspeita, geralmente, eles conseguem responder bem. Talvez, só no vôlei masculino (vamos ver a partir de agora no feminino) o Brasil, hoje em dia, lida bem com o favorismo.

Não há uma explicação exata para isso. Talvez um caminho seja a psicologia, mais precisamente a psicologia do esporte. O técnico da seleção feminina de vôlei, José Roberto Guimarães, exigiu do COB um psicólogo para trabalhar a parte emocional das jogadoras. Pelo visto a iniciativa deu certo. Outro fator, talvez, seja a falta de gana necessária para ser ouro e não somente medalhista. Simbolicamente, a imprensa também tem culpa nisso com o seu derrotista "o Brasil já garantiu ao menos a prata", quando o país chega a uma final olímpica. Ora, a prata não é nada no quadro de medalhas, já que um ouro vale mais do que cem medalhas de prata. O atleta, caso estivesse entre os favoritos, tem que sair insatisfeito quando conquistar apenas a prata ou bronze. O conformismo é o pior inimigo de um verdadadeiro campeão, vide o piloto Rubens Barrichello. É isso, o atleta brasileiro tem que ter mais vontade de ser ouro. Sabendo que no esporte tudo pode acontecer, mas com a cabeça voltada para o ouro. Chineses, estadunidenses e russos pensam assim. Com isso, China, EUA e Rússia sabem jogar muito bem os jogos olímpicos, leia-se quadro de medalhas.

Dois exemplos emblemáticos da fraqueza psicológica brasileira se deram com Jade Barbosa e Fabiana Murer. Jade chegou à Pequim com um impressionante despreparo emocional. Ela simplesmente chorou de desespero ao ser abordada por um batalhão de repórteres em seu embarque na China. Ora, assédio da imprensa é a coisa mais natural na vida de um grande atleta, caso de Jade Barbosa. Quem viu a cena percebeu nitidamente que a ginasta ainda não está preparada psicologicamente para ser uma grande campeã. Tomara que isso mude, já que Jade tem muito talento. Já o caso da Fabiana Murer, atleta do salto com vara, revelou uma falta de serenidade diante das adversidades. Obviamente, foi um absurdo, uma gafe monumental da organização dos jogos, o sumiço de uma de suas varas. Agora, seu desespero, diante da adversidade, foi de tal ordem que ela acabou se auto-derrotando. Quem assistiu às imagens, percebeu que ela não teria condições nenhumas de realizar um bom salto. Dito e feito. A fenomenal Yelena Isinbayeva, sua companheira de treinamentos durante alguns meses, disse depois que poderia emprestar sua vara sem nenhum problema. Fabiana não pensou nisso e acabou obtendo um resultado frustrante. Seu desespero foi compreensível, mas poderia ter sido evitado.

Os aspectos psicológicos têm de ser melhor trabalhados nos atletas olímpicos brasileiros. E isso é bastante paupável. Se a preparação técnica, que é a mais difícil, já tiver sido feita feita, o preparo emocional se torna um simples, mas importante detalhe. Isso nos atletas de ponta, nos olímpicos. Porque na base há ainda muitíssima coisa a ser feita. O modo pelo qual o Estado brasileiro trata o esporte, enquanto fator de inclusão social e saúde pública, é vergonhoso. Números da Organização Mundial de Saúde (OMS) apontam que para cada dólar aplicado no esporte de base, economiza-se três dólares em saúde pública. O Brasil ainda não olhou seriamente para isso. Esporte, educação e saúde, enquanto políticas públicas, devem caminhar sempre de mãos atadas. Portanto, mais do que tornar o Brasil uma potência olímpica, os investimentos públicos em esporte têm a capacidade de educar, incluir e promover saúde pública. Massificar a prática do esporte só traz o bem para a população de um país. Mas os investimentos nos esportes de alto rendimento - com o conseqüente sucesso olímpico - também são importantes. Primeiro porque incentivam a prática do esporte dentro do país. Segundo porque, simbolicamente, o êxito olímpico traz uma certa auto-estima para o povo. Terceiro porque o mundo, certamente, lança bons olhos ao país.

Em resumo é isso. No Brasil, o esporte deve ser trabalhado, na base, como elemento de bem-estar social. Na outra ponta, nos esportes de alta performance, como fator de auto-estima, coesão entre os brasileiros e, claro, lançamento de oportunidades de trabalho. Esses investimentos ajudarão, inclusive, na superação do tal complexo de vira-latas. Não só nos esportes, mas também em outros aspectos. Educação, saúde e auto-estima são a base de um país bem-sucedido. Como diz o célebre provérbio latino: "mens sana in corpore sano"!

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Jogos Olímpicos: muitas histórias






Em 1896, o aristocrata francês Pierre de Coubertin fundou os Jogos Olímpicos da era moderna. Ele se inspirou nos Jogos Olímpicos da antigüidade, já que à época (final do século XIX) haviam sido feitas importantes escavações e descobertas no sítio arqueológico de Olímpia, cidade da Grécia Antiga. Coubertin resolveu que os jogos seriam realizados de quatro em quatro anos (Olimpíada), tal como na antigüidade. Sim, o que está acontecendo agora em Pequim são os Jogos Olímpicos. A próxima Olimpíada começará no dia 25 de agosto de 2008 (término dos jogos de Pequim) e terminará no dia 27 de julho de 2012 (início dos jogos de Londres). Vulgarmente, os Jogos Olímpicos e a Olímpíada são postos como sinônimos. Mas enfim...

Desde seu início, os Jogos Olímpicos serviram para mostrar a superioridade dos países mais ricos do mundo. Não à toa, Estados Unidos, Grã-Bretanha, Alemanha e França (as principais potências mundiais nas primeiras dédadas do século XX) foram os grandes destaques dos primeiros jogos.

Pouco a pouco, os Jogos Olímpicos foram adquirindo uma forte conotação ideológica. A supremacia no quadro de medalhas passou a simbolizar a superioridade de dada etnia ou o sucesso de determinado sistema sócio-econômico. O primeiro grande exemplo disso, sem dúvidas, foram os jogos de Berlim 1936, em plena Alemanha Nazista. Adolf Hitler, que freqüentou assiduamente as arenas onde se realizaram as competições, quis demonstrar a superioridade da raça ariana. Sua festa, em parte, foi estragada por Jesse Owens, um negro estadunidense que faturou quatro medalhas de ouro no atletismo, sendo considerado o grande nome dos jogos. De qualquer modo, a Alemanha venceu bem os jogos de 1936, conquistando 33 medalhas de ouro, nove a mais do que o segundo colocado, os Estados Unidos.

Com o advento da guerra fria surgiu uma nova grande disputa nos Jogos Olímpicos: o duelo entre os sistemas capitalista e socialista. Estados Unidos e União Soviética, Alemanha Ocidental e Alemanha Oriental... passaram a disputar medalha a medalha quem tinha o sistema sócio-econômico mais vitorioso e apropriado. O auge dessa disputa se deu na década de 1980 com os famosos boicotes olímpicos. Em 1980, o presidente estadunidense Jimmy Carter, em represália à invasão soviética ao Afeganistão, resolveu boicotar os jogos de Moscou daquele ano. Outros 68 países (incluindo Alemanha Ocidental, Canadá e Japão) seguiram os EUA e aderiram ao boicote. França e Grã-Bretanha apoiaram o boicote, mas facultaram a seus atletas a decisão de ir ou não aos jogos. Muitos optaram por não ir. Sendo assim, das potências ocidentais apenas a Itália levou força máxima para os jogos de Moscou. À título de curiosidade, Argentina, Chile, Uruguai, Paraguai e Bolívia foram os países sul-americanos a aderirem ao boicote.

Nos Jogos Olímpicos seguintes, Los Angeles, o bloco socialista deu o troco. Sob a liderança da URSS, Cuba, Coréia do Norte, Angola, Vietnã, Alemanha Oriental e os outros países do leste europeu (à exceção de Romênia e Iugoslávia) boicotaram os jogos de 1984. Curiosamente, a Romênia, o único país representante da chamada cortina de ferro (expressão cunhada por Winston Churchill em 1946) teve uma grande participação nos jogos, tendo ficado em segundo lugar com 20 medalhas de ouro. Vale lembrar que a Iugoslávia não fazia parte da cortina de ferro. O país era socialista, mas tinha autonomia em relação à União Soviética. Isso porque o país conseguiu se libertar da ocupação nazi-fascista sem a ajuda do exército vermelho. Portanto, o regime iugoslavo, liderado por Josip Broz Tito, era socialista, porém não-alinhado à Moscou. Inclusive, Tito foi um dos principais líderes do Movimento Não-Alinhado, marco do movimento terceiro-mundista, cujo o início se deu na Conferência de Bandung, em 1955.

Para tentar reparar os rancores provenientes dos boicotes foram organizados em 1986 os Jogos da Amizade (Goodwill Games). Neles, EUA e URSS se enfrentaram em uma competição de grande porte pela primeira vez desde 1976. Durante a guerra fria só aconteceram duas edições dos Jogos da Amizade: 1986 em Moscou (URSS) e 1990 em Seattle (EUA). Com o fim da guerra fria, os jogos da amizade perderam sua importância e razão de ser.

Mas os boicotes capitalista e socialista não foram os únicos a marcarem a história dos Jogos Olímpicos. Os jogos de Los Angeles 1984 marcaram a primeira aparição olímpica da China. Os chineses boicotaram os jogos até 1984. Para esta edição, Taiwan (também chamado de Formosa ou de República da China) foi designado pelo Comitê Olímpico Internacional (COI) como Taipé Chinês. A China não reconhece Taiwan como país independente, daí a reivindicação para a outra denominação. Atendido o pedido, a China passou a freqüentar com sucesso os Jogos Olímpicos.

Por fim, outro boicote digno de nota se deu em Montreal 1976. 28 países (sendo 26 africanos), liderados pelo Congo, boicotaram os jogos de 1976. Pouco antes dos jogos de Montreal, a Nova Zelândia havia mandado seu famoso time de rugby para uma excursão pela África do Sul (país muito apreciador do rugby). A África do Sul vivia o auge do regime do Apartheid e por esse motivo o país fora banido pelo COI e estava desligado de qualquer competição internacional. Devido à referida excursão, os países africanos pediram a retirada imediata da Nova Zelândia dos Jogos Olímpicos de 1976. O COI recusou o pedido e com isso 26 países africanos, Iraque e Guiana optaram por boicotar os jogos de Montreal.

É interessante mencionar outros fatos marcantes da história dos jogos. Por exemplo, a edição de 1972, em Munique, marcou a maior tragédia da história olímpica. Cinco membros do grupo palestino Setembro Negro invadiram a vila olímpica e mataram 11 atletas israelenses. O episódio ficou conhecido como Massacre de Munique. Os jogos de 1972 marcaram também a emergência de Cuba como potência olímpica. 13 anos após a Revolução Cubana, a ilha de Fidel despontava no cenário esportivo internacional. Como curiosidade vale destacar ainda que nos jogos de Sydney 2000 as duas Coréias desfilaram na cerimônia de abertura sob uma única bandeira. Foi uma tentativa de aproximação política por meio do esporte que ao que parece não deu muito certo.

Com o fim da guerra fria, os Jogos Olímpicos ficaram marcados pelo relativo predomínio dos EUA no quadro de medalhas. Aliás, cada vez mais os jogos refletem a pujança econômica dos países. As 11 maiores potências olímpicas das últimas edições foram e são: EUA, China, Rússia, Japão, Coréia do Sul, Austrália, Alemanha, França, Grã-Bretanha, Itália e Cuba (é raro aparecer um "intruso" entre esses 11, quando isso ocorre geralmente é um país do leste europeu ou um país-sede). Percebe-se, portanto, que Cuba é o único desses países que não é uma potência econômica. Uma exceção, pois a regra é uma relação direta entre o PIB e o sucesso olímpico. Uma outra mostra disso é que abaixo desse "G-11" vem um grupo de potências olímpicas médias, entre as quais figura o Brasil. Ora, essa relação de potências intermediárias não se difere muito do G-20 (grupo de países em desenvolvimento ou emergentes, que concentra suas atividades econômicas na agricultura).

Se existe a relação entre tamanho do PIB e sucesso olímpico, é óbvio que os países se dedicam cada vez mais a investir em esporte. Simbolicamente, se um país se mostra bem sucedido no esporte, significa que as coisas estão caminhando bem nele. Daí, ele, por exemplo, eventualmente, poderá captar investimentos externos por meio do espelho do esporte. É mais ou menos isso, o esporte seria um esboço da concreta situação sócio-econômica de dado país. E quem não quer ser bem visto? Por isso todos investem como podem em esporte.

Os Jogos também simulam mais ou menos bem a globalização. As técnicas dos diferentes esportes estão mais acessíveis e cada vez mais espalhadas pelo mundo. Hoje é possível que a seleção brasileira de ginástica artística tenha um ucraniano no comando. Além disso, vê-se, através dos Jogos Olímpicos, desigualdades e disparidades gigantescas, mas ao mesmo tempo enxerga-se uma paulatina multipolarização. Em outros termos, as medalhas, bem como o poder geopolítico, residem em um seleto grupo, porém não se concentram em um país só. Ora, o que significa esse estrondoso avanço da China no quadro de medalhas?...

É isso, por meio dos Jogos Olímpicos é possível simular a história como um todo. Seu início no fim do século XIX; suas únicas "não-edições"(1916, 1940 e 1944) revelando os efeitos das duas guerras mundiais; o nazismo; a guerra fria e suas repercussões; a Revolução Chinesa; a Revolução Cubana; o Apartheid; a questão árabe-israelense; a globalização e seus efeitos, ora positivos, ora perversos... Em suma, é muito interessante tudo isso!

terça-feira, 1 de julho de 2008

"Revolução dos Cravos" em São Januário





"Foi bonita a festa, pá. Fiquei contente. Ainda guardo renitente um velho cravo para mim." Esses versos de Chico Buarque se referem à Revolução dos Cravos, acontecimento histórico que no ano de 1974 marcou o fim do salazarismo em Portugal. Antônio Salazar, de 1933 a 1968, governou com mãos de ferro os destinos lusitanos. Em 1968, assumiu em seu lugar Marcelo Caetano. As diretrizes políticas de Caetano pouco se difereciaram em relação às de seu antecessor, uma vez que a ditadura e o neocolonialismo ultramarino continuaram em seu governo. Daí convencionalmente o fim do regime salazarista ser marcado somente em 1974. Dessa forma, foram 41 anos de Estado Novo, a ditadura moldada por Salazar em Portugal.

Coincidentemente, os mesmos 41 anos foram o tempo em que Eurico Ângelo de Oliveira Miranda esteve envolvido nos rumos do Club de Regatas Vasco da Gama. Em 2008, Eurico e seu grupo foram finalmente derrotados, tendo fim um nefasto regime ditatorial dentro do Vasco. Daí o dia 28 de junho de 2008 ter marcado a "Revolução dos Cravos" cruzmaltina.

Eurico Miranda é um filho de portugueses que se mudaram para o Brasil, na década de 30, fugindo exata e ironicamente do regime salazarista. Desde moço ele se interessou pelo Vasco da Gama e em 1967 conseguiu seu primeiro cargo administrativo no clube. A partir daí pouco a pouco foi construindo e aumentando seu prestígio dentro do Vasco. Tanto é verdade que, já em 1982, Eurico concorreu pela primeira vez à presidência do clube. Foi derrotado em 1982 e também em 1985 pelo mesmo homem, Antônio Soares Calçada. Este, ao perceber o expressivo e crescente prestígio de Eurico Miranda no clube, o convidou em 1986 para ser seu vice-presidente de futebol. Em outras palavras, Eurico passaria a ser o homem forte do futebol do Vasco.

A partir daí, Eurico Miranda foi se popularizando cada vez mais dentro do Vasco da Gama. Isso, em larga medida, porque o clube passou a viver um período de muitos títulos. Em 15 anos como vice-presidente de futebol, Eurico "deu" ao Vasco um título da Copa Libertadores da América (1998), três campeonatos brasileiros (1989, 1997 e 2000), uma Copa Mercosul (2000), um Torneio Rio-São Paulo (1999), seis campeonatos cariocas (1987, 1988, 1992, 1993, 1994, e 1998), além de outros títulos de menor relevo. Além disso, devido à sua personalidade forte, briguenta e explosiva, passou a peitar a tudo e a todos "em nome dos interesses do Vasco", como ele gostava de dizer. Prova disso é que ele comprou brigas até mesmo com grupos poderosos, como a Rede Globo e a CBF. Naturalmente, ele passou a ser considerado um grande líder dentro do clube.

Não obstante, ainda durante sua estada na vice-presidência do departamento de futebol do Vasco, foram aparecendo inúmeros indícios de que Eurico Miranda era altamente corrupto. Nos idos de 1999-2000-2001 foi feita uma devassa em sua vida. Primeiramente a imprensa, depois a CPI do futebol, em 2001, transformaram os indícios de corrupção em evidências. Verificou-se que a administração vascaína tinha uma série de irregularidades e que Eurico Miranda era um homem riquíssimo. Vale dizer que Eurico possui mansão em Angra dos Reis, iates, entre outras coisas, e só fuma charutos dos mais caros do mundo. Como ele é um advogado e fisioterapeuta que pouco exerceu essas duas profissões, constata-se que sua riqueza adveio ilicitamente do Club de Regatas Vasco da Gama. Mesmo assim, ele foi absolvido em seu processo de cassação na Câmara dos Deputados e, nesse momento, continuou seguindo sua vida normalmente no Vasco.

No final de 2000, Eurico Miranda foi eleito, finalmente, presidente do Club de Regatas Vasco da Gama. Algo mais do que esperado, visto que àquela altura o Vasco caminhava para seu quarto título brasileiro e para a conquista da Copa Mercosul, ou seja, tinha um grande time de futebol. Aliás, é típica da cultura brasileira a vista grossa à corrupção quando as coisas nos outros aspectos estejam indo e acontecendo "mais ou menos bem". Em outros termos: o "rouba, mas faz". Assim, Eurico tomou posse no início de 2001 e, curiosamente, seu primeiro ato como presidente foi o de colocar o logotipo do SBT na camisa do Vasco. Isso foi em janeiro de 2001, no jogo remarcado contra o São Caetano (já que parte do alambrado de São Januário havia caído e o jogo em questão foi suspenso), valendo o título do campeonato brasileiro de 2000. Não preciso nem falar que foi um ato de forte hostilidade à Rede Globo, que vinha engrossando o caldo anti-Eurico e foi obrigada a transmitir a final com o logo da concorrente em destaque na transmissão.

Já em 2001, o futebol do Vasco da Gama dava os primeiros sinais de decadência. Pouco a pouco seus principais jogadores foram saindo, muitos deles, inclusive, tendo colocado o clube na justiça em função de dívidas trabalhistas. O dinheiro do clube foi secando (os títulos idem) muito em função da péssima imagem que Eurico Miranda transmitia aos investidores. Além disso, a administração anterior (Calçada, presidente do clube até 2001, e Eurico, o todo-poderoso do futebol do clube) criou uma dívida astronômica no Vasco.

Assim, as críticas externas ao clube foram cada vez se acentundo mais. A novidade foi o começo de uma movimentação da oposição no clube. Entrou em cena aí o maior ídolo da história do Vasco, Roberto Dinamite. Ele, como não poderia deixar de ser, passou a tecer críticas em relação ao modelo Eurico Miranda de administrar. Além de problemas financeiros e contábeis, sua administração já era fortemente marcada pelo autoritarismo. Sócios ou conselheiros do clube que discordassem dos métodos de Eurico, passaram a simplesmente ser expulsos do clube por ele. Foi exatamente isso que aconteceu com Roberto Dinamite, no início de 2002. Dinamite estava com seu filho na tribuna de honra de São Januário, assistindo a um jogo do Vasco, quando de repente foi expulso do estádio e do clube. A partir daí, Roberto estava expressamente proibido de entrar no clube. Olhando retrospectivamente, este ocorrido marcou o começo do fim da "Era Eurico Miranda" no Vasco da Gama.

Roberto Dinamite começou a se articular com o Movimento Unido Vascaíno (MUV), um grupo de vascaínos ilustres, fundado sem muito destaque em 1997. E a partir de 2002, Roberto manifestou o desejo de concorrer à presidência do Vasco. As eleições seguintes ocorreriam em 2003. Assim sendo, Roberto foi para o pleito de 2003, mas foi derrotado por Eurico Miranda. Gravíssimas acusações de fraude foram feitas, mas nada que impedisse a nova posse de Eurico na presidência do clube.

O Vasco da Gama continuou sem grande destaque no cenário futebolístico até 2006 (o único título do clube, desde 2000, tinha sido o campeonato carioca de 2003), ano de novas eleições. Novamente, Eurico Miranda e Roberto Dinamite medindo forças. Este um candidato cada vez mais forte, aquele um sujeito cada vez mais desgastado e controverso. Mas Eurico detinha a máquina administrativa do clube. Sendo assim, ele novamente derrotou Roberto. Desta vez, não foram encontrados somente indícios, mas também provas contundentes de fraudes no pleito. Dessa forma, o grupo de Dinamite acionou a justiça.

Entre idas e vindas, encontros e desencontros, guerra de liminares e tudo o mais, finalmente, em junho de 2008 foram marcadas novas eleições no Vasco, já que Eurico Miranda vinha exercendo o poder interinamente desde novembro de 2006. Eurico ainda tentou melar a decisão judicial outras vezes e numa atitude de claro desespero decidiu boicotar o pleito. Ora, sempre quando alguém boicota uma eleição, o faz porque sabe que não tem a menor chance de vencê-la, tentando dessa forma - como última cartada - pelo menos desestabilizar e deslegitimar o processo. Nesses casos, quase sempre o tiro sai pela culatra e a derrota apenas se torna mais fragorosa e humilhante. Foi exatamente isso que aconteceu e Roberto venceu com enorme folga no voto dos associados. Faltava apenas sua chapa ser sufragada no conselho dos beneméritos do Vasco da Gama, visto que no clube as eleições são indiretas. Isso ocorreu no dia 28 de junho, novo dia histórico para a grande maioria dos vascaínos. Como diz o título deste texto, a "Revolução dos Cravos" em São Januário.

Saldo da gestão Eurico Miranda enquanto presidente do Club de Regatas Vasco da Gama (2001-2008). Títulos: um campeonato carioca (2003). Dívidas trabalhistas estipuladas: 50 milhões de reais. Dívida total estipulada: 300 milhões de reais. Processos trabalhistas contra o clube: 77. Prejuízo adicional: oito anos parado no tempo. Sem nenhuma dúvida, Eurico deixa para Roberto Dinamite uma verdadeira herança maldita.

E assim mais uma vez se moveu o trem da história. De agora em diante, Roberto Dinamite tem um duríssimo desafio pela frente. Administrar um clube com muitas dificuldades financeiras não será nada fácil. Ele e seu grupo vêm dizendo que têm muitos patrocinadores à vista. Assim espero, enquanto vascaíno que sou. De todo modo, Roberto só não tem direito a duas coisas no comando do clube: fazer uma gestão corrupta e ter uma postura antidemocrática. Tenho quase certeza de que não agirá dessa maneira. Portanto, decência e espírito democrático (coisas que estiveram longe de São Januário nos últimos anos) estão de volta. A esperança é que, além disso, Dinamite faça uma gestão suficientemente competente para devolver ao Vasco, no médio prazo, a condição de grande força do futebol brasileiro e internacional. Torço muito para isso.

Pois é. A história novamente fez mais uma das suas. Geralmente quando algo está caótico e em crise surge alguma coisa boa em seguida. Assim, novamente o Club de Regatas Vasco da Gama foi vanguarda. O clube tem uma história belíssima. Foi o primeiro a aceitar negros e operários em seus elencos e construiu São Januário com seus próprios esforços (sem ajuda estatal para nada, algo bastante incomum à época e hoje). Tudo porque os elitistas grandes clubes do Rio de Janeiro, do início do século XX, determinaram que o Vasco só poderia pertencer à liga de futebol do Estado se tivesse um estádio para jogar. A partir desses feitos o Vasco ganhou muita força e popularidade no Brasil, sendo um dos gigantes do esporte no país. A gestão Eurico Miranda manchou um pouco tudo isso e tornou o clube antipático para as demais torcidas e para potenciais novos torcedores. Portanto, Roberto Dinamite está sendo o resgate do Vasco enquanto clube de vanguarda, afinal, é o primeiro ídolo de um clube brasileiro a se tornar seu presidente. Então, por tudo isso, vascaínos de todo o Brasil estão bradando nesta semana: "Ao Vasco nada? Tudo!!! Então como é que é? Casaca! Casaca! Casaca, zaca, zaca! A turma é boa! É mesmo da fuzarca! Vasco! Vasco! Vasco!"

quarta-feira, 25 de junho de 2008

Uefa Euro 2008




De tempos em tempos o futebol, assim como a história, prega peças e causa surpresas. Por essas e outras diz-se que a história da humanidade não é linear. Ela não segue um curso evolutivo e contínuo, como se pensou durante séculos. Pelos mais diversos motivos, períodos de paz foram interrompidos por guerras (Belle Époque e Primeira Guerra Mundial, por exemplo), democracias foram sucedidas por ditaduras (golpe de 1964 suprimindo o regime de 1945, no Brasil) e vários impérios ascenderam e depois caíram.

No futebol também é mais ou menos assim. Quem acompanhou a última Copa do Mundo (Alemanha 2006) certamente se decepcionou com o péssimo futebol apresentado. A decepção foi maior porque, à época, o futebol dava sinais de uma interessante volta à ofensividade. Grandes times da Europa jogavam com três atacantes e sem nenhum volante dos chamados "brucutus". Após esse mundial vi muitos falarem que a prática do futebol defensivo, burocrático e insosso era coisa inevitável nos torneios de seleções. A ofensividade residia e jazia no passado, segundo essas pessoas.

Contudo, eis que a Uefa Euro 2008 (organizada conjuntamente por Suíça e Áustria) trouxe uma grata surpresa. A ofensividade tem sido a tônica do torneio. Com isso, excelentes jogos vêm sendo realizados. Tendo grandes jogos, obviamente, muitas jogadas e jogadores vêm obtendo destaque. Tudo isso, sem se prescindir da competitividade. Dando mostras de que é possível, sim, se jogar de maneira competitiva, pragmática, ofensiva e bonita (tudo ao mesmo tempo).

Como equipes destaco, sobretudo, Rússia e Holanda. Ambas vêm praticando um futebol envolvente, veloz e com muita aplicação tática. Mas, melhor do que isso, essas duas seleções vêm jogando um futebol muito vistoso. Uma intensa movimentação de seus jogadores, os passes de em pé em pé, as tabelas de primeira e as enfiadas de bola entre os zagueiros (no bom sentido) são suas marcas. Valores individuais, elas também têm, sim senhor: Sneijder (jogador completo), Robben (velocidade e habilidade), van Persie (muita habilidade) e van Nistelrooy (técnica e serenidade) são os feras da Holanda. Pavlyuchenko (faro de gol), Zyryanov (boa técnica), Zirkhov (velocidade e bons cruzamentos e arremates) e Arshavin (este um craque) pela Rússia. E detalhe: Rússia e Holanda possuem times jovens. Assim, estarão muito bem em 2010. Logo, é bom o Brasil abrir o olho com eles, afinal, como diria Fernando Vanucci: "a África do Sul é logo ali e a seleção brasileira tem que tomar cuidado para não virar comida de leões"!

Ressalto também o ótimo futebol de Alemanha, Turquia e Espanha. A Alemanha, como quase sempre, está forte, competitiva, disciplinada, técnica, fria e concentrada. Além de todos esses adjetivos, vem jogando um futebol ofensivo e destemido. Destaques: Ballack (jogadoraço), Klose (matador), Schweinsteiger (veloz e inteligente) e Lahm (categoria típica de um jogador ambidestro).

Turquia: raça, entrega, fé, perseverança e energia incríveis. Simplemente conseguiu reverter três resultados, em três jogos, nos acréscimos. Além disso: boa técnica e bons jogadores como: Semih Senturk (artilheiro em momentos importantes) e Nihat (ótimo atacante).

Espanha: sempre possui bons jogadores. Não se sabe ao certo porque não é um time vencedor. Uns especulam que há sempre uma desunião, por motivos étnico-políticos, nas equipes que monta (basco, que não gosta de madrilenho, que não suporta catalão...), outros dizem que os insucessos vêm porque eles amarelam mesmo. Desta vez, a Espanha parece mais unida e focada. Qualidade: David Villa (artilheiro impiedoso), Fernando Torres (um dos melhores atacantes do mundo), Fàbregas (um dos melhores jogadores do mundo) e Xavi (volante técnico e eficiente na marcação).

Seleções decepcionantes: França e Itália. Os franceses precisam se reencontrar sem Zidane. Além disso, muitos jogadores estão velhos. Uma renovação total terá de ser feita. A França começa do zero as eliminatórias para a Copa do Mundo de 2010. E a Itália... a Itália foi a de sempre. Futebol enfadonho, irritante, sem criatividade e ofensividade. Mesmo assim volta e meia os italianos chegam. Sempre aos trancos e barrancos... prorrogações, pênaltis... Desta vez, ainda bem (pelo bem do futebol), eles ficaram nas quartas-de-final.

Jogadores decepcionantes: Cristiano Ronaldo, Petr Cech e Thierry Henry. Ronaldo, o jogador-celebridade, misto de fubolista e artista circense mais uma vez - a exemplo da Copa de 2006 - não jogou nada. Seus dribles - muito eficazes contra Bolton, Wigan ou Fulham na liga inglesa, e contra Andorra, San Marino ou Luxemburgo nas eliminatórias européias - não aconteceram contra os melhores marcadores da Europa. Cech: falhou feio e eliminou sua República Tcheca da competição. Só por isso. Henry: envelhecido e decadente, não jogou nada.

Está aí o balanço da Uefa Euro 2008. Ela está sendo (faltam apenas dois jogos para seu final) uma excelente competição. Vi cinco copas do mundo (1990, 1994, 1998, 2002 e 2006) e cinco eurocopas (1992, 1996, 2000, 2004 e 2008) e a edição 2008 da Euro é a melhor entre as dez. Gostei da Copa do Mundo de 1998 (França), mas esta Euro terá sido melhor. O principal motivo: foi a primeira competição de seleções, verdadeiramente marcada pela ofensividade, que vi. Quanto tempo essa tendência vai durar não se sabe, visto que o futebol, enquanto simulacro da história, é imponderável e segue um curso descontínuo!

terça-feira, 27 de maio de 2008

Televisão





"A televisão me deixou burro, muito burro demais". Muita gente tende a concordar com esses versos. Nessa perspectiva, a TV é considerada alienante e cumpre um perverso papel social de manutenção do status quo. Em palavras marcadamente marxistas, funciona como o ópio do povo e mantém o poder das elites dominantes. Mas, até que ponto isso é verdade?

Bom, não resta dúvidas de que hoje em dia a qualidade da programação da televisão brasileira é muito ruim. Muitos programas de fofoca, novelas com enredos pobres, telejornalismo tendencioso, sem falar nos abomináveis programas neopentescostais. Sendo isso inconteste, a pergunta que fica é: por que ela tem que ser assim? A TV tem em sua essência esse lado "emburrecedor"? Penso que não. Ela é muito ruim hoje em dia, entretanto, poderia ser bem melhor. Então o que está errado?

Primeiramente, cumpre salientar que o espectro eletromagnético, por onde passam as ondas da televisão, é público. O referido espectro é finito e limitado, ou seja, não tem para todo mundo. Mas, como é feita essa repartição? Aí está o "x" da questão. Como o espectro é público, a divisão é feita mediante concessão pública. Cabe então ao governo conceder ao grupo, família ou empresa dada emissora de TV ou de Rádio. Em tese, a concessão é dada ao grupo que apresentar a melhor proposta de programação para a sociedade brasileira. Em outras palavras, ganha a concessão a proposta que melhor atender aos requisitos constitucionais relativos à comunicação: informação, educação, cultura...

Tudo isso é "bem em tese". Na verdade o que manda nesse caso é o jogo de poder e de interesses privados. Magnatas, políticos e religiosos são os verdadeiros donos da TV e do rádio brasileiros. Eles abocanham praticamente a totalidade das concessões públicas. Aí se iniciam as perversidades. Pouquíssima gente sabe que uma concessão de rádio dura 10 anos e uma de TV dura 15 anos. Por que ninguém sabe? Ora, porque a divulgação dessas informações cabe exatamente aos grupos que estão sendo beneficiados com todo esse cenário nebuloso. Sendo assim, ninguém fica sabendo quando será a renovação da concessão de dada emissora. Se soubessem, eventualmente, grupos poderiam pressionar o governo a não renovar com essa ou aquela TV. Foi exatamente isso que Hugo Chávez fez na Venezuela, em 2007. Ele esperou paciente e democraticamente a concessão da RCTV expirar e não fez a renovação. Tudo isso constitucionalmente e respaldado pela maioria da população venezuelana. Como a televisão e o rádio brasileiros se posicionaram sobre o caso? Mentindo, ou no mínimo, omitindo informações. Disseram que Chávez arbitrariamente fechou uma inocente emissora de TV que "apenas" fazia oposição ao seu governo. Não falaram, por exemplo, que a mesma RCTV esteve diretamente ligada à tentativa de golpe de Estado que Chávez sofreu em 2002. Então é óbvia a razão dessas omissões. Eles não querem que exemplos como esse se repitam no Brasil.

A mudança da tecnologia da TV e do rádio de analógica para digital aumentará o espaço para as ondas dentro do espectro eletromagnético. O número de emissoras triplicará. O que acontecerá? Das duas uma: ou haverá uma maior democratização ou os grupos que monopolizam hoje em dia ampliarão ainda mais seus tentáculos. Cabe um intenso debate, portanto. A TV e o rádio digitais já estão chegando na crista da onda e esse debate ainda permanece gélido. Elementar meu caro Watson, esses grupos querem aumentar seus domínios e não utilizarão "seus espaços" para promover esses debate. Se o fizer eles sabem que certamente perderão e as novas emissoras digitais serão melhor divididas.

Agora vai um dado bizarro. Muita gente ao trocar de canal já se deparou com programas do tipo "Show da Fé", "Programa José de Paiva Neto" (LBV), ou aqueles que vendem grelhas e outros utensílios do lar. Esses programas obviamente não são produzidos pelas emissoras que os veiculam. A Bandeirantes, por exemplo, não produz o "Show da Fé, a despeito dela transmití-lo em horário nobre. Como isso é possível? Simples. As emissoras desavergonhadamente vendem horários de sua grade para a transmissão desses programas religiosos ou de merchandising. Ora, mas o espectro não é público? É... trata-se de mais uma agressiva apropriação do público pelo privado. Se a BAND ganhou a concessão, digamos que ela tenha todo o direiro de produzir sua programação. Agora, não tem nenhum direito de vender parte de seu espaço para outros grupos, já que esse espaço é público e ela é apenas concessionária. Portanto, quando virem no início de um programa a frase: "esse programa é uma produção independente e é de total responsabilidade de seus realizadores", lamente, proteste e (ou) vomite. É muita bizarrice!

A televisão é um dos poucos serviços em que o consumidor não tem como reclamar. Nenhuma emissora tem um serviço de ouvidoria para saber no que elas, eventualmente, podem melhorar. Os serviços de coleta de lixo, distribuição de energia elétrica, ou telefonia podem ser ou estarem ruins, mas ao menos tem-se meios para reclamar e cobrar providências. Com A TV não, o controle inexiste por completo. Aliás, quando se fala em controle, a família Marinho, o grupo Sílvio Santos, Edir Macedo e a família Saad (grupos que praticamente mandam sozinhos na televisão brasileira) vêm com pedras na mão. Eles alegam que todo e qualquer tipo de controle é censura. Ora, mas é evidente que toda prestação de serviço necessita de controle. Várias TVs européias têm serviços de ouvidoria.

A continuar como está, os poucos grupos que mandam na televisão brasileira continuarão cada vez mais poderosos e a qualidade de suas programações continuarão ruins. Não vejo nenhum exagero em considerar que a grande imprensa é o quarto poder no Brasil. Não obstante, se se considerar que pouquíssimos brasileiros lêem jornais, constata-se que a população se informa pelo rádio e, sobretudo, através da televisão. Sendo assim, o verdadeiro quarto poder é a televisão. O maior problema é que ela é um poder sem controle. Bem ou mal, os outros três poderes têm mecanismos de regulação e controle. A TV não. Daí todo seu poder e influência no Brasil. Basta lembrar que ela já elegeu e derrubou presidentes!

sexta-feira, 16 de maio de 2008

Por uma reforma política (II)



Darei continuidade agora ao texto anterior, cujo tema foi a reforma política no Brasil. Deixei alguns pontos da reforma esperando considerações. É o que farei a partir de já.

Bicameralidade ou unicameralidade? Bom, sabemos que em termos constitucionais o Senado Federal representa os estados da federação, ou seja, cuida do chamado equilíbrio federativo. Daí o fato de cada um dos 26 estados, mais o Distrito Federal, terem exatamente o mesmo número de senadores: três. Já a Câmara dos Deputados representa o povo. Daí o número de deputados por estados ser proporcional ao tamanho de suas populações, ainda que - conforme mencionado no texto anterior - haja um desarranjo oriundo do teto de 70 e o piso de oito deputados por estado. Mas por que o Brasil adotou o modelo bicameral? O Brasil basicamente copiou o modelo norte-americano. Os EUA, em 1776, para manter as então recém-independentes 13 colônias unidas sob um só Estado, criaram um senado e uma câmara. Respectivamente, estados da federação e povo estariam representados no parlamento. No Brasil, a criação do senado, em 1826, foi justificada pela situação de instabilidade do país. O medo dos separatismos provinciais assustava os centralistas, sempre próximos do monarca. Mas e hoje, o senado é imprescindível? Penso que não. A federação está consolidada e o senado não é mais, como já foi, constitucionalmente a casa revisora do Congresso Nacional. Ambas as casas têm a prerrogativa de iniciar um projeto de lei. Além disso, nenhuma lei é aprovada sem a câmara. Se um projeto se inicia no senado ele terá que passar pela câmara para virar lei. Em resumo, qualitativamente, a extinção do senado pode até não trazer grandes mudanças para o Brasil, mas seria uma baita economia para suas contas. Seriam 81 senadores e milhares de funcionários a menos. Se o trabalho dos senadores é idêntico ao dos deputados federais, pode-se perfeitamente manter somente estes, como fazem vários países do mundo que adotam o modelo unicameral.

Mudando de assunto, mas continuando no senado, o próximo questionamento é: e os senadores suplentes? Trata-se de algo bizarro. Como pode alguém representar o povo sem ter nenhum voto? É muito comum uma pessoa rica financiar a campanha de algum candidato a senador (de preferência alguém bem velhinho) e, assim, vir a ser o seu suplente. Exemplos: Wellington Salgado e Gim Argelo. O que fazer para acabar com essa farra? Simples, se um candidato morrer ou renunciar a seu mandato, assume imediatamente o candidato que tiver ficado em segundo lugar. Ou ainda, pode-se marcar novas eleições. Mas como esse processo seria muito mais trabalhoso e caro, prefiro a solução anterior.

Um outro aspecto que tem de mudar urgentemente é a emenda orçamentária individual. Esse tipo de emenda é um elemento fortemente potencializador da corrupção. Os escândalos dos anões do orçamento e dos sanguessugas ocorreram exatamente em função disso. Todos os parlamentares têm o direito de extrair parte do orçamento anual para projetos que visem a satisfação de sua base. Em outras palavras, na confecção do orçamento, determinado deputado tem a prerrogativa de, por exemplo, encaminhar a construção de uma ponte em sua cidade. Daí para o superfaturamento é um pulo, já que o controle e fiscalização são precários neste caso. Sem falar no clientelismo, já que a ponte, o posto de saúde, a ambulância servem para reforçar as redes de clientela dos parlamentares brasileiros. É muito comum alguém dizer: "se não fosse o deputado X, esse viaduto não teria sido construído".

Voto em lista partidária fechada ou voto em pessoas, como é hoje? Taí um tema pra lá de complexo. Tendo a preferir o voto em lista fechada, pois defendo o financiamento público das campanhas. Seria muito complicado o partido repartir o dinheiro público que recebesse para a campanha entre todos os seus candidatos. Daí o melhor seria o partido realizar eleições internas para formar a lista. Já o eleitor vota apenas na sigla partidária na hora da eleição. Sendo assim, se dado partido conseguiu votos suficientes para elegar quatro deputados, vão os quatro primeiros da lista, ou seja, os quatro preferidos dos militantes do partido. Isso seria bom também para democratizar os partidos e incentivar os eleitores a participarem desse ou daquele partido. Parece-me claro que os partidos políticos são, por definição, o principal lugar para os debates da sociedade. Isto é, os partidos deveriam ser o lugar da mediação entre a sociedade e o poder público. O voto em lista tornaria isso mais paupável. Em vários países europeus, a partipação da população nos partidos é significativa. Isso passa pelo voto em partidos e não em pessoas.

Terceiro mandato. Outro tema complexo e polêmico. Sou contra. Apesar que, contraditoriamente, se fosse aprovada a emenda do terceiro mandato eu votaria em Lula, em 2010. Aliás, para as elites, sobretudo, a elite ligada ao sistema financeiro é melhor que Lula continue. No atual governo, seus lucros continuaram, talvez até aumentaram. Ao passo que, os movimentos sociais (CUT, MST, UNE) estão "tranqüilos". Se voltar um tucano em 2010 é certo que o cenário de greves, manifestações e ocupações de terras improdutivas voltará. Em suma, Lula está conseguindo governar para os pobres e para os ricos. A classe média é a mais insatisfeita com o atual governo. Mas Lula já sinaliza algumas melhorias para os setores intermediários da sociedade. É isso... governar bem é ter habilidade para satisfazer os diferentes segmentos sociais.

Neste segundo texto, as mudanças venceram por 4 x 1 às manutenções. Adoção da unicameralidade, fim dos senadores suplentes sem voto, fim da emenda orçamentária individual e adoção do voto em lista partidária fechada de um lado. Do outro, apenas o não ao terceiro mandato. Resultado final: 7 x 3 para as mudanças. É... defendo uma substancial reforma política, mas não uma "revolução política"!

segunda-feira, 5 de maio de 2008

Por uma reforma política




Estamos em um ano eleitoral. Como sempre, quando eleições estão iminentes, fala-se muito na necessidade de uma reforma política no Brasil. Muitos dizem que o modelo brasileiro é imperfeito. Que beneficia em muito os que detém o poder econômico. Ou que o voto de um amapaense vale mais do que o de um paulista. Mas, afinal, tem-se mesmo que se fazer uma reforma política no Brasil? O que deve mudar ou continuar? Vou aqui dar as minhas opiniões.

Comecemos com um aspecto que pouco se discute, mas que tem grande importância no debate sobre a reforma política. Trata-se da obrigatoriedade do voto. Em tese, o voto, por ser considerado mais um direito do que um dever, não deveria ser obrigatório no Brasil. Em tese. A obrigatoriedade do voto foi aprovada pela Constituição de 1988 para conferir legitimidade a um determinado eleito. O que isso quer dizer? Por exemplo, as vitórias de Collor (1989), FHC (1994 e 1998) e Lula (2002 e 2006) não sofreram nenhum tipo de contestação mais forte (golpismo) por parte dos perdedores, pelo fato de a maioria esmagadora da população brasileira ter comparecido às urnas. Ora, em países em que o voto é facultativo, via de regra, menos da metade dos eleitores comparecem ao pleito. Sendo que em alguns casos eles giram em torno de 30%. Parece-me um contrasenso 30% dos cidadãos decidirem pela totalidade, ainda que os 70% que não compareceram, o tenham feito por vontade própria. É certo que a referida crise de legitimidade não atinge os vencedores em vários países em que o voto é facultativo. Mas pensemos no Brasil. Imagine se somente 40% dos eleitores brasileiros tivessem comparecido às urnas em 2006. O que estariam fazendo o DEM e o "Movimento Cansei"? Provavemente, o mesmo que a UDN fez durante o governo JK: contestando a eleição. Em 1955, JK teve cerca de 35% dos votos (na época não havia segundo turno, precisava-se apenas de maioria simples). Sim, ter segundo turno também é muito importante. No popular, quando o voto é obrigatório e tem segundo turno, os perdedores não têm chororô, afinal todo mundo votou e a vitória foi por maioria absoluta.

Além disso, penso que o voto, apesar de ser um direito, também é dever. Muitos dizem que querem ter a liberdade de fazer um churrasco, em vez de comparecer à votação. Se todo domingo tivesse eleição eu concordaria com esse argumento. Mas não, a pessoa tem que comparecer duas vezes (se tiver segundo turno) a cada quatro anos. E ser não for de Brasília, uma ou duas vezes a cada dois anos. Além do mais, a pessoa pode votar às 8 horas da manhã e ter o resto do dia todo livre para fazer o que bem entender. Sendo assim, tendo em vista que a democracia é o regime do povo para o povo, todos tem que exercer essa responsabilidade, no caso o voto. Em outras palavras, o voto não faz mal a ninguém. Ele só faz bem, pois educa e ajuda a construir a cidadania.

Mudemos de tópico. Falemos agora de financiamento das campanhas eleitorais. Ele deve ser público ou continuar do jeito que está? Defendo que deva ser público. Caso o financiamento seja público, as verbas serão repartidas de maneira justa (pelo tamanho da bancada). Do jeito que está há um desequilíbrio muito grande. Um candidato muito rico consegue se eleger facilmente, pois faz uma campanha caríssima, o que acaba decidindo. Além disso, o financiamento público freiaria o chamado caixa 2 nas campanhas eleitorais, dado que seriam proibidas doações de privados para os candidatos. Deixaria de acontecer por completo? Não, mas o controle seria muito mais fácil, afinal se determinado candidato tivesse uma quantidade muito maior de material de campanha do que outros, concluiria-se que ali teria algo de irregular.

Próximo ponto: cláusula de barreira. Sou a favor. Penso que se determinada sigla não atingir um número mínimo de votos, ela não tem razão de existir enquanto partido político. Pode virar uma ONG ou atuar de outras formas nos movimentos sociais. Pode também ingressar como uma tendência interna em outro partido político ou fundir-se com outro(s). Pode ainda trabalhar para que na próxima eleição o partido consiga atingir a cota mínima da barreira. A cláusula de barreira estava prevista nas eleições de 2006. Sete partidos conseguiram ultrapassá-la: PT, PMDB, DEM, PSDB, PSB, PDT e PP. Entretanto, em 2007, uma "canetada" do ministro do STF Marco Aurélio Mello, então presidente do TSE, revogou a cláusula, alegando inconstitucionalidade. Um erro. Sete me parece um bom número de partidos políticos. Temos no Brasil mais de trinta hoje em dia. Não acredito que haja mais de trinta ideologias justificando esse número todo de partidos.

Proporcionalidade. A constituição cidadã foi contraditória nesse quesito. Ela estabeceu que os estados seriam representados de forma proporcional na Câmara Federal. Justo. Mas estabeleceu teto e piso de deputados por estados, uma aberração. Isso fere um dos mais básicos pressupostos da democracia e da república: "para cada cidadão um voto". Ora, se haja o que houver, Roraima tem o mínimo de 8 deputados (piso) e São Paulo o máximo de 70 deputados (teto), o voto do roraimense vale mais do que o do paulista, isso porque a população paulista cresce muito mais do que a de Roraima. A origem do piso e do teto está no Pacote de Abril, de Geisel. O regime militar, em mais uma de suas manobras visando sempre ter maioria parlamentar, estabeleceu que qualquer estado teria um número mínimo de deputados (os estados menores eram menos politizados e davam sustentação para o governo). Estabeleceu também que haveria teto. Os estados mais populosos (grandes centros) eram e são mais politizados e o MDB era mais forte justamente neles. Portanto, o teto e o piso vinham a calhar para a ditadura. De todo modo, a constituinte não acabou com o artifício e a aberração continua. Tem que haver proporcionalidade, porém sem piso e teto.

Voto proporcional ou distrital para deputados federais, estaduais, distritais e vereadores. Defendo a continuidade do voto proporcional. Dizer que no voto distrital o eleitor controla melhor o eleito é uma falácia monstruosa. Durante a República Velha (1889-1930) vigorou o voto distrital no Brasil e o que se constatou foi o aumento do clientelismo, ou seja, do eleito controlando seus eleitores. Outra injustiça: se em determinado distrito, um candidato tiver 51% e outro 49%, este simplesmente fica fora, ainda que tenha tido número significativo de votos. No modelo proporcional isso não ocorre. Quem é bem votado, ou seja, atinge o chamado quociente eleitoral, garante sua eleição.

Pois bem, há outros pontos a serem discutidos: unicameralidade versus bicameralidade; voto em lista partidária versus voto em candidato; senador suplente (sem nehum voto popular); emenda orçamentária individual; terceiro mandato. Como o texto já está extenso e cansativo o farei em outra oportunidade. Respondendo às perguntas do primeiro parágrafo, considero que deve sim haver uma reforma política no Brasil. Ela deve manter alguns aspectos e mudar outros. Deve-se manter o voto obrigatório e o voto proporcional para deputados e vereadores. Por outro lado, deve-se mudar o financiamento das campanhas, acabar com teto e piso de deputados por estados e estabecer a cláusula de barreira. 3 x 2 para as mudanças, jogo equilbrado. Portanto, reforma sim, mas sem jogar tudo fora. É isso. Até o Por uma reforma política II !

terça-feira, 15 de abril de 2008

Esquerda e direita: a velha dicotomia






O magnata das comunicações Silvio Berlusconi está voltando ao poder na Itália. É, a Europa realmente vira-se cada vez mais para a direita. Nicolas Sarkozy na França, Angela Merkel na Alemanha e Berlusconi na Itália atestam essa tendência. Mas vou usar o primeiro-ministro italiano apenas como gancho para uma discussão bastante recorrente nos dia de hoje: trata-se dos termos direita e esquerda, no debate político. Afinal, os termos ainda procedem atualmente ou não passam de anacronismo, derrubados junto com o muro de Berlim?

Como sempre, gosto de historicizar as questões que abordo. Nesse caso, voltemos ao ano de 1789. Cenário: Revolução Francesa. Os termos direita e esquerda surgem nesse contexto. Na Assembléia Constituinte, à esquerda do rei sentavam-se os representantes do chamado terceiro estado, à época burguesia e proletariado juntos. À direita do monarca sentavam-se os representantes dos primeiro e segundo estados, respectivamente, clero e nobreza. Pois bem, os que se sentavam à esquerda anseavam por reformas políticas, sociais e econômicas, ao passo que os do lado direito desejavam a manutenção do status quo. Portanto, a direita seria sinônimo de conservadorismo e a esquerda sinônimo de progressismo.

A dicotomia direita/esquerda ganha novos episódios no trancorrer do século XIX. Com a vitória das revoluções burguesas nos principais países europeus, a burguesia - que fora revolucionária - passa a ser reacionária, afinal, passou a reagir contra eventuais mudanças, já que agora estava no poder. Em outras palavras, antes das revoluções burguesas, a oposição era entre burguesia e proletariado (revolucionários) de um lado versus nobreza e clero (reacionários) do outro. Após as revoluções burguesas a dualidade passou a ser burguesia (que se unira aos decadentes clero e nobreza) de um lado e proletariado do outro.

Ainda durante o século XIX, o filósofo alemão Karl Marx deu um ar científico a todo esse debate. Nas obras, A Ideologia Alemã, Manifesto Comunista e sobretudo em O Capital, Marx destrincha questões da relação capital e trabalho (luta de classes); esmiuça o surgimento e amadurecimento do sistema capitalista; e propõe um novo modelo de sociedade, o comunismo, que teria como etapa inicial o socialismo, ou ditadura do proletariado. Surgia, portanto, o chamado socialismo científico.

Com Marx, as lutas operárias ganharam novo fôlego. Até que, já no século XX, no ano de 1917, a Rússia fez uma revolução socialista. Era o início do chamado socialismo real. A Rússia era ainda um país rural e feudal. Tinha uma classe operária bastante incipiente, logo, na ótica de Marx ainda não reunia condições para uma revolução socialista, que deveria ser notadamente proletária. Mesmo assim Lenin, com apoio massivo de camponeses e conseguindo organizar um partido extremamente disciplinado (Partido Bolchevique), a seu modo fez a revolução socialista ser vitoriosa na Rússia. A partir disso, o mundo passou a contar com dois modelos ideológicos antagônicos. Os termos cordão sanitário (usado de 1917 a 1939) e cortina de ferro (Guerra Fria) conferem a referida divisão ideológica.

Isso posto, vamos tentar refletir e definir os termos direita e esquerda. Direita seria basicamente a luta pela manutenção da ordem, nesse caso, a manutenção de eventuais privilégios e sobretudo a proteção à propriedade privada. Esquerda seria a luta pela justiça social, ou seja, para que todos do mundo tenham melhores condições de vida. Não é por nada que as lutas ambientais sejam encabeçadas por partidos de esquerda. De maneira bem sucinta, pode-se relacionar a direita à ordem e a esquerda à justiça. Daí, por exemplo, uma invasão de terras improdutivas ser vista como um crime por membros e simpatizantes da direita e como um luta legítima por justiça por membros e simpatizantes da esquerda.

Dito tudo isso, fica bastante claro que os termos direita e esquerda não são anacrônicos. Primeiramente, eles não morreram com a queda do muro de Berlim, simplesmente porque não nasceram com a Revolução Russa. Ou seja, eles antecedem em mais de um século à Guerra Fria. Segundo, a luta entre os que defendem a ordem e manutençao dos privilégios versus os que defendem a justiça social e mais igualdade, nunca deixou de existir, é uma questão atemporal. Terceiro, a dicotomia capital/trabalho ainda é proeminente, aliás esta sequer nasceu com o advento do sistema capitalista, ainda que tenha sido modificada por ele.

Portanto, os termos direita e esquerda nasceram enquanto conceitos somente em 1789, porém enquanto práticas políticas, econômicas e sociais eles sempre existiram. A história da humanidade foi e é pautada por injustiças, opressão, exploração e dominação do homem pelo homem. Esses aspectos não são leis (já que na história não existem leis), mas são regularidades, afinal sempre existiram (talvez com exceção das ditas sociedades igualitárias). Ora, o que eram os tribunos da plebe, em Roma, senão pessoas que lutavam por mais justiça social.

Agora de uma coisa não tenho dúvidas: atualmente há uma crise nos partidos de esquerda, que vem à tona sobretudo quando eles estão no poder. A emergência do neoliberalismo e a conseqüente predominência do sistema financeiro deixaram os partidos de esquerda sem uma agenda tipicamente de esquerda (repetição inevitável da palavra esquerda). Quando eles chegam ao poder, não conseguem se livrar das "chantagens" oriundas da globalização. No Brasil e na Grã-Bretanha isso ficou bem claro. Lula e Tony Blair não conseguiram dar respostas verdadeiramente de esquerda ao avanço do neoliberalismo. Nas linhas gerais, eles mantiveram uma política econômica semelhante à de seus antecessores, ainda que com algumas diferenças. Lula, por exemplo, não deu continuidade às privatizações.

Contudo, isso não significa que a esquerda morreu ou que os conceitos direita/esquerda não fazem mais sentido. Esquerdistas de todo o mundo estão em busca das tais respostas. Elas podem perfeitamente ser encontradas e, a partir disso, possibilitar a construção de uma nova agenda de esquerda, que freie o avanço do neoliberalismo.

Alguns países da América Latina estão nessa marcha. Venezuela, Bolívia, Equador, e Nicarágua afrontam o neoliberalismo. O detalhe é que as economias desses países são muito menos complexas do que, por exemplo, a brasileira. Assim sendo, as "chantagens" neoliberais acabam surtindo muito menos efeitos neles. Afinal, quanto mais complexa e "financeirizada" for uma economia, mais difícil é fazer uma agenda de esquerda. Mas não é nada impossível.

Portanto, a tendência atual da Europa é a direita, pois os europeus querem "conservar" o que lá já existe. E a tendência atual da América Latina, ainda que com diferentes nuances, é a esquerda. O avanço avassalador do neoliberalismo nas décadas de 80 e 90 deixou muitas marcas nos países latinos e o avanço das esquerdas nada mais é do que uma contundente resposta a isso.

É isso, a dicotomia direita/esquerda está mais viva do que nunca. E de uma coisa fiquem certos. Quando ouvirem de alguém que não existe mais esquerda nem direita, das duas, uma: ou a pessoa não está muito a par dessa questão, ou ela é de direita. Sendo que a segunda hipótese é a mais provável, haja vista o senador Artur Virgílio, que vez por outra vem com essa conversa em seus discursos direitistas na tribuna do senado.

Para finalizar, quero deixar claro que não considero existir apenas duas vias: esquerda e direita. Acredito em aproximadamente sete: extrema-esquerda, esquerda, centro-esquerda, centro, centro-direita, direita e extrema-direita. O detalhe é que no frigir dos ovos - como no golpe militar de 1964, no Brasil - tem-se apenas duas opções: ou se escolhe a esquerda ou a direita. Ficar no centro é ficar do lado de quem está mais forte. Portanto, as sete vias, às quais me referi, valem mais precisamente como estratégias e táticas para se chegar ao poder. Mas em situações-limite, ou se dá seta para a esquerda, ou para a direita. Eu sempre sigo à esquerda!