terça-feira, 19 de agosto de 2008

Jogos Olímpicos: muitas histórias






Em 1896, o aristocrata francês Pierre de Coubertin fundou os Jogos Olímpicos da era moderna. Ele se inspirou nos Jogos Olímpicos da antigüidade, já que à época (final do século XIX) haviam sido feitas importantes escavações e descobertas no sítio arqueológico de Olímpia, cidade da Grécia Antiga. Coubertin resolveu que os jogos seriam realizados de quatro em quatro anos (Olimpíada), tal como na antigüidade. Sim, o que está acontecendo agora em Pequim são os Jogos Olímpicos. A próxima Olimpíada começará no dia 25 de agosto de 2008 (término dos jogos de Pequim) e terminará no dia 27 de julho de 2012 (início dos jogos de Londres). Vulgarmente, os Jogos Olímpicos e a Olímpíada são postos como sinônimos. Mas enfim...

Desde seu início, os Jogos Olímpicos serviram para mostrar a superioridade dos países mais ricos do mundo. Não à toa, Estados Unidos, Grã-Bretanha, Alemanha e França (as principais potências mundiais nas primeiras dédadas do século XX) foram os grandes destaques dos primeiros jogos.

Pouco a pouco, os Jogos Olímpicos foram adquirindo uma forte conotação ideológica. A supremacia no quadro de medalhas passou a simbolizar a superioridade de dada etnia ou o sucesso de determinado sistema sócio-econômico. O primeiro grande exemplo disso, sem dúvidas, foram os jogos de Berlim 1936, em plena Alemanha Nazista. Adolf Hitler, que freqüentou assiduamente as arenas onde se realizaram as competições, quis demonstrar a superioridade da raça ariana. Sua festa, em parte, foi estragada por Jesse Owens, um negro estadunidense que faturou quatro medalhas de ouro no atletismo, sendo considerado o grande nome dos jogos. De qualquer modo, a Alemanha venceu bem os jogos de 1936, conquistando 33 medalhas de ouro, nove a mais do que o segundo colocado, os Estados Unidos.

Com o advento da guerra fria surgiu uma nova grande disputa nos Jogos Olímpicos: o duelo entre os sistemas capitalista e socialista. Estados Unidos e União Soviética, Alemanha Ocidental e Alemanha Oriental... passaram a disputar medalha a medalha quem tinha o sistema sócio-econômico mais vitorioso e apropriado. O auge dessa disputa se deu na década de 1980 com os famosos boicotes olímpicos. Em 1980, o presidente estadunidense Jimmy Carter, em represália à invasão soviética ao Afeganistão, resolveu boicotar os jogos de Moscou daquele ano. Outros 68 países (incluindo Alemanha Ocidental, Canadá e Japão) seguiram os EUA e aderiram ao boicote. França e Grã-Bretanha apoiaram o boicote, mas facultaram a seus atletas a decisão de ir ou não aos jogos. Muitos optaram por não ir. Sendo assim, das potências ocidentais apenas a Itália levou força máxima para os jogos de Moscou. À título de curiosidade, Argentina, Chile, Uruguai, Paraguai e Bolívia foram os países sul-americanos a aderirem ao boicote.

Nos Jogos Olímpicos seguintes, Los Angeles, o bloco socialista deu o troco. Sob a liderança da URSS, Cuba, Coréia do Norte, Angola, Vietnã, Alemanha Oriental e os outros países do leste europeu (à exceção de Romênia e Iugoslávia) boicotaram os jogos de 1984. Curiosamente, a Romênia, o único país representante da chamada cortina de ferro (expressão cunhada por Winston Churchill em 1946) teve uma grande participação nos jogos, tendo ficado em segundo lugar com 20 medalhas de ouro. Vale lembrar que a Iugoslávia não fazia parte da cortina de ferro. O país era socialista, mas tinha autonomia em relação à União Soviética. Isso porque o país conseguiu se libertar da ocupação nazi-fascista sem a ajuda do exército vermelho. Portanto, o regime iugoslavo, liderado por Josip Broz Tito, era socialista, porém não-alinhado à Moscou. Inclusive, Tito foi um dos principais líderes do Movimento Não-Alinhado, marco do movimento terceiro-mundista, cujo o início se deu na Conferência de Bandung, em 1955.

Para tentar reparar os rancores provenientes dos boicotes foram organizados em 1986 os Jogos da Amizade (Goodwill Games). Neles, EUA e URSS se enfrentaram em uma competição de grande porte pela primeira vez desde 1976. Durante a guerra fria só aconteceram duas edições dos Jogos da Amizade: 1986 em Moscou (URSS) e 1990 em Seattle (EUA). Com o fim da guerra fria, os jogos da amizade perderam sua importância e razão de ser.

Mas os boicotes capitalista e socialista não foram os únicos a marcarem a história dos Jogos Olímpicos. Os jogos de Los Angeles 1984 marcaram a primeira aparição olímpica da China. Os chineses boicotaram os jogos até 1984. Para esta edição, Taiwan (também chamado de Formosa ou de República da China) foi designado pelo Comitê Olímpico Internacional (COI) como Taipé Chinês. A China não reconhece Taiwan como país independente, daí a reivindicação para a outra denominação. Atendido o pedido, a China passou a freqüentar com sucesso os Jogos Olímpicos.

Por fim, outro boicote digno de nota se deu em Montreal 1976. 28 países (sendo 26 africanos), liderados pelo Congo, boicotaram os jogos de 1976. Pouco antes dos jogos de Montreal, a Nova Zelândia havia mandado seu famoso time de rugby para uma excursão pela África do Sul (país muito apreciador do rugby). A África do Sul vivia o auge do regime do Apartheid e por esse motivo o país fora banido pelo COI e estava desligado de qualquer competição internacional. Devido à referida excursão, os países africanos pediram a retirada imediata da Nova Zelândia dos Jogos Olímpicos de 1976. O COI recusou o pedido e com isso 26 países africanos, Iraque e Guiana optaram por boicotar os jogos de Montreal.

É interessante mencionar outros fatos marcantes da história dos jogos. Por exemplo, a edição de 1972, em Munique, marcou a maior tragédia da história olímpica. Cinco membros do grupo palestino Setembro Negro invadiram a vila olímpica e mataram 11 atletas israelenses. O episódio ficou conhecido como Massacre de Munique. Os jogos de 1972 marcaram também a emergência de Cuba como potência olímpica. 13 anos após a Revolução Cubana, a ilha de Fidel despontava no cenário esportivo internacional. Como curiosidade vale destacar ainda que nos jogos de Sydney 2000 as duas Coréias desfilaram na cerimônia de abertura sob uma única bandeira. Foi uma tentativa de aproximação política por meio do esporte que ao que parece não deu muito certo.

Com o fim da guerra fria, os Jogos Olímpicos ficaram marcados pelo relativo predomínio dos EUA no quadro de medalhas. Aliás, cada vez mais os jogos refletem a pujança econômica dos países. As 11 maiores potências olímpicas das últimas edições foram e são: EUA, China, Rússia, Japão, Coréia do Sul, Austrália, Alemanha, França, Grã-Bretanha, Itália e Cuba (é raro aparecer um "intruso" entre esses 11, quando isso ocorre geralmente é um país do leste europeu ou um país-sede). Percebe-se, portanto, que Cuba é o único desses países que não é uma potência econômica. Uma exceção, pois a regra é uma relação direta entre o PIB e o sucesso olímpico. Uma outra mostra disso é que abaixo desse "G-11" vem um grupo de potências olímpicas médias, entre as quais figura o Brasil. Ora, essa relação de potências intermediárias não se difere muito do G-20 (grupo de países em desenvolvimento ou emergentes, que concentra suas atividades econômicas na agricultura).

Se existe a relação entre tamanho do PIB e sucesso olímpico, é óbvio que os países se dedicam cada vez mais a investir em esporte. Simbolicamente, se um país se mostra bem sucedido no esporte, significa que as coisas estão caminhando bem nele. Daí, ele, por exemplo, eventualmente, poderá captar investimentos externos por meio do espelho do esporte. É mais ou menos isso, o esporte seria um esboço da concreta situação sócio-econômica de dado país. E quem não quer ser bem visto? Por isso todos investem como podem em esporte.

Os Jogos também simulam mais ou menos bem a globalização. As técnicas dos diferentes esportes estão mais acessíveis e cada vez mais espalhadas pelo mundo. Hoje é possível que a seleção brasileira de ginástica artística tenha um ucraniano no comando. Além disso, vê-se, através dos Jogos Olímpicos, desigualdades e disparidades gigantescas, mas ao mesmo tempo enxerga-se uma paulatina multipolarização. Em outros termos, as medalhas, bem como o poder geopolítico, residem em um seleto grupo, porém não se concentram em um país só. Ora, o que significa esse estrondoso avanço da China no quadro de medalhas?...

É isso, por meio dos Jogos Olímpicos é possível simular a história como um todo. Seu início no fim do século XIX; suas únicas "não-edições"(1916, 1940 e 1944) revelando os efeitos das duas guerras mundiais; o nazismo; a guerra fria e suas repercussões; a Revolução Chinesa; a Revolução Cubana; o Apartheid; a questão árabe-israelense; a globalização e seus efeitos, ora positivos, ora perversos... Em suma, é muito interessante tudo isso!

7 comentários:

chico macedo disse...

Muitas bem amarrado o texto e interessante tudo isso mesmo. Está bem que os Jogos Olímpicos não são assim "Uma Copa do Mundo de Futebol", mas tem uma capacidade de mobilização mundial inegável. É, sem dúvida, o segundo maior evento do calendário global.

Sobre a relação do desempenho do Brasil e o investimento em esportes - basta lembrar das aulas de Educação Física do tempo do colégio.

O investimento médio consistia em uma bola de futsal e um jornal do dia para que o professor tivesse uma boa leitura durante o racha organizado pelos próprios alunos.

Conceitos como o pár-ou-ímpar americano e o famoso "Dois ou Dez" ainda são os mais difundidos por aqui.

É interessante observar o número de modalidades que só vemos serem praticadas pela TV nos Jogos Olímpicos e sem brasileiros na disputa.

Abraço, Chico.

Andrecatuaba disse...

Nesse ano a China está dando um couro nos EUA, e creio que a tendência é isso ficar cada vez mais evidente. Não fosse o Phelps, os EUA estariam muito mais atrás ainda. Agora, o desempenho do Brasil, por seu tamanho, me parece pífio. Me parece que esporte e educação estão intimamente vinculados e, como a educação no Brasil é isso que está aí, no esporte não pode ser muito diferente. Minhas aulas de educação física eram exatamente como o Chico falou. O professor dava a bola e a gente fazia o rachão.

Li em algum lugar que a FIFA vai vetar o futebol já nos próximos jogos. Será?

Se os jogos olímpicos são um espelho da situação sócio-política do mundo (e acredito que seja), a China mostra qual é a nova cara do capitalismo global. Os EUA já estão patinando, e a tendência é só piorar. Meu palpite é que em 2050 os primeiros colocados serão China, Índia, Austrália, África do Sul e Brasil (os emergentes). Quem sabe?

Huguera disse...

Bacana o texto Bruno. Os Jogos Olímpicos são um barato mesmo, um grande sucesso, um show de organização e competição em alto nível. O duro é que quando terminarmos de ver Phelps, Bolt, Yelena Isinbayeva, vamos voltar à nossa triste realidade (Jorge Henrique, Obina, Alan Kardec, Reinaldo, ect...). Mas isso é outro papo.

Que o Brasil nunca teve o menor esboço de projeto olímpico todo mundo tá careca de saber, nem no futebol que somos tão superiores nunca fomos capazes da mínima organização pra chegar lá e faturar o ouro. O Drem Team do basquete estadunidense tá lá arrebentando, mas os caras se prepararam com antecedência, ou você acha que fizeram um catadão dos melhores e pronto?!

Só queria levantar uma questão: vale a pena fazer um projeto olímpico vencedor a qualquer custo?! Yang Wenjun, o chinês da canoagem deixou todo mundo de cara quando meteu a boca no trombone e falou mal da China na cara dura. Há uns três anos não vê a família, queria largar o esporte desde 2004 mas o governo não permite, é submetido a uma rotina de treinamentos que ele classifica como desumana.

E aí Gil, vale tudo pelo ouro?

Sérgio Bertoldi disse...

É... os jogos olímpicos, como evento de porte mundial, reflete mesmo as situações históricas deste mesmo mundo, nos seus diversos planos.

Os exemplos que o Bruno mesmo trouxe à tona evidencia bem os conflitos políticos (boicotes, nao-realização dos jogos por causa de guerras), das disparidades econômicas (EUA - ouro; Brasil - lata), diferenças sociais (apartheid) e "psicossomáticas" (confronto árabe-israelense, EUA X URSS, pra saberem quem tem o pinto mais grande) e por aí vai...

Mas o que eu concordo mesmo é que as aulas de educação física nada mais eram do que um RECREIO EXTRA no horário da escola. Eu adorava! Mas nem tive a SORTE de ter muito futebol durante a minha vida escolar. É verdade q nem sempre eu estudei em colégios que tinham espaço adequado (a quadra) para a prática do esporte bretão.

Mas mesmo qdo havia o espaço, professor filha da puta sempre dificultava a coisa "pros meninos". Futebol era raridade. Eles nos davam uma bola de borracha e mandava a gente jogar carimbada, misturando meninas e meninos. (Talves por isso eles nunca davam futebol... pq pra eles poderem ler o jornal do dia, conforme o chico bem mencionou, acho q rolava a preocupação de deixar o rebanho todo de crianças sobre o mesmo espaço). E daí as quadras poliesportivas eram mal usadas, desde cedo...

Por fim...Modéstia à parte, eu era "bão no trem"!! Na carimbada (queimada) eu tinha bons reflexos e arrebentava. Era sempre dos últimos a serem pegos. E assim eu aproveitava pra aparecer pras menininhas ;)

Bruno Cameschi disse...

Chico e Sérgio: É, o grande problema do esporte no Brasil, sem dúvidas, é na base, ou seja, na escola. De qualquer forma, em alguns esportes o Brasil passou a investir muito na excelência. Voley, Voley de Praia, Judô e Ginástica Artística contam hoje em dia com bons recursos do governo federal por meio de suas estatais. Em outras palavras, na base não mudou muito, mas no treinamento e preparação p/ os atletas já profissionais melhorou muito em alguns esportes.

Bruno Cameschi disse...

André: 1) É, o desempenho brasileiro está aquém do esperado, mas vai melhorar na segunda semana dos jogos. Sempre é assim. 2) Pelo seu tamanho e população o Brasil deveria, sim, mandar mesmo muito melhor nos jogos. Só que a cultura do esporte no Brasil ainda é muita fraca. Quantas mulheres você conhece que pratica esportes? Não vale caminhada ou academia. Quantos homens você conhece que pratica esportes? Sem valer futebol e academia. 3) Sou também a favor de que o futebol masculino deixe de ser esporte olímpico.4) Mesmo que os países atualmente emergentes se tornem potências mundiais, os que já o são hoje em dia não vão perder sua condição. Assim, EUA, Alemanha, Grã-Bretanha, Japão etc... continuarão sendo potências econômicas e olímpicas. Por fim, a Índia nunca será potência olímpica, embora provavelmente será potência econômica, porque não possui nenhuma vocação esportiva.

Bruno Cameschi disse...

Huguera: 1) Cara, o projeto olímpico brasileiro melhorou muito. Claro, isso no alto rendimento, pois na base o descaso ainda é muito grande. 2) Em Atenas, o Dream Team dos EUA fez um catadão e foi passear na Grécia e tomou couro. Desta vez, realmemnte eles fizeram uma superpreparação e dificilmente perderão o ouro. 3) A preparação desumana-compulsória só existe em ditaduras, caso da China. Nas democracias isso não existe, só se a pessoas quiser.4) Por fim, é... a fase brasileirão no primeiro plano está iminente...