segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Complexo Olímpico de Vira-Latas?






Encerraram-se no último domingo os Jogos Olímpicos de Pequim 2008. O Brasil terminou os jogos na 23ª colocação, com 3 medalhas de ouro, 4 de prata e 8 de bronze, somando 15 medalhas no total. O presidente do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), Carlos Arthur Nuzman, considerou como bom o desempenho brasileiro. O presidente Lula considerou razoável. A imprensa se dividiu, houve quem achou boa a participação do Brasil, por outro lado teve quem achou medíocre. Na minha opinião o desempenho foi razoável, mas poderia ter sido bem melhor. A gente bronzeada poderia ter mostrado mais o seu valor. Será que o que atrapalha o Brasil seria uma espécie de complexo olímpico de vira-latas?

Vamos à história recente da participação olímpica brasileira. Os jogos de Atlanta 1996 marcaram o início de um mínimo projeto olímpico brasileiro. Nesta edição, o Brasil terminou os jogos em 25° lugar (3 ouros, 3 pratas e 9 bronzes, 15 no total). Quatro anos mais tarde, Sydney 2000, o Brasil decepcionou e fechou os jogos na péssima 53ª posição (nenhum ouro, 6 pratas e 6 bronzes, somando 12 medalhas no total). Atenas 2004 marcou o melhor desempenho brasileiro, já que o Brasil ficou na 16ª colocação (5 ouros, 2 pratas e 3 bronzes, 10 medalhas no total). Antes de Atlanta 1996 mal havia investimento e planejamento no esporte brasileiro. Os resultados até Barcelona 1992 foram pífios, sobretudo no tocante ao total de medalhas conquistadas. Em suma, somente verdadeiros abnegados traziam medalhas para o Brasil até 1996.

Os resultados melhoraram a partir de 1996 graças a dois fatores primordiais. Primeiro: os investimentos estatais aumentaram e aumentam significativamente durante os governos Fernando Henrique e Lula. Segundo: a boa gestão de Carlos Arthur Nuzman à frente do COB. O dirigente é tido como o transformador do vôlei brasileiro, uma vez que presidiu a Confederação Brasileira de Voleibol (CBV) entre 1975 e 1997. Com o ótimo desempenho do voleibol brasileiro a partir dos anos 80/90, Nuzman recebeu a missão de encabeçar o projeto olímpico do Brasil. Em 1990, ele se tornou vice-presidente do COB e em 1995 foi nomeado o presidente da instituição.

Entre outros fatores que tem melhorado o desempenho olímpico brasileiro, destaca-se a Lei Agnelo/Piva. Esta lei, sancionada em 2001, estabelece o montante mínimo dos recursos provenientes das loterias federais a ser repassado ao COB. Em 2004, surgiu a lei que instituiu a Bolsa-Atleta. Essas bolsas são fornecidas pelo Ministério do Esporte e seus valores vão de R$ 300 à R$ 2.500 para cada atleta, conforme sua categoria (estudantil, nacional, internacional e olímpica). Por fim, e à título de curiosidade, vale mencionar as principais empresas que investem no esporte olímpico brasileiro. Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Petrobrás, Correios, Infraero e Eletrobrás estão entre as empresas estatais. Olympikus, Sadia, Samsung, Bradesco, Grupo Pão de Açúcar, Sol e Oi estão entre as empresas privadas. Estas investem no esporte, seduzidas por incentivos fiscais, formalizados com a Lei de Incentivo ao Esporte, sancionada em 2006.

Isto posto, voltemos ao desempenho brasileiro em Pequim. Ele foi razoável porque o Brasil efetivamente se consolidou no grupo das potências olímpicas médias. Porém, tendo em vista o expressivo aumento dos investimentos em esporte nos últimos anos (estima-se que 1,2 bilhões de reais foram gastos em esporte, pelos cofres públicos, nos últimos quatro anos), o desempenho não foi satisfatório. Quanto a isso, sem dúvidas, há que se ter mais transparência na questão da aplicação dos recursos públicos direcionados ao esporte. Mas, não é exatamente isso que quero discutir neste texto. Outrossim, quero avaliar a participação brasileira à luz do tal complexo de vira-latas. Esta expressão foi cunhada pelo saudoso dramaturgo Nelson Rodrigues e referia-se à seleção brasileira de futebol pré-1958. Dizia ele que antes da Copa do Mundo de 1958 os brasileiros já eram os melhores do mundo no futebol. Entretanto, segundo Nelson, o que atrapalhava a seleção brasileira era um detestável complexo de vira-latas ante as principais potências futebolísticas do mundo. Assim, com o título de 1958, o Brasil teria se livrado de vez desse complexo. A partir dali o Brasil sempre figuraria entre os melhores. Isto foi comprovado com os outros quatro títulos mundiais que vieram posteriormente. Mas e nos Jogos Olímpicos? Como puderam tantos campões mundiais do Brasil terem fracassado nos jogos? Seria um complexo olímpico de vira-latas?

Penso que, em parte, sim. Antes dos jogos de Pequim, eu cravei - num cálculo otimista, mas embasado tecnicamente - em dez medalhas de ouro para o Brasil. Apostei no ouro (que é que vale no quadro de medalhas) em: Thiago Camilo (atual campeão mundial de judô entre os meio-médios); João Derly (atual bi-campeão mundial de judô entre os meio-leves); time de vôlei masculino (ganhou tudo nos últimos sete anos); time de vôlei feminino (atual campeão do Grand Prix e atual vice-campeão mundial); seleção feminina de futebol (atual vice-mundial e vice-olímpica); Robert Scheidt (campeão mundial em 2007 pela Classe Star e que já havia ganhado tudo pela Classe Laser); Rodrigo Pessoa (atual campeão olímpico no hipismo); Ricardo e Emanuel (atuais campeões olímpicos no vôlei de praia); Diego Hypólito (atual campeão mundial de ginástica artística no solo); e Jade Barbosa (com 16 anos foi terceira colocada no último mundial de ginástica artística e é tida como uma atleta em ascensão). Além desses, por seus bons resultados nas últimas competições mundiais, apostei em outros potenciais medalhistas (podendo ser ouro, prata ou bronze), foram eles: Maurren Maggi, Fabiana Murer e Jadel Gregório (Atletismo); César Cielo, Thiago Pereira e Kaio Márcio (Natação); Leandro Guilheiro e Luciano Corrêa (Judô); Natália Falavigna (Taekwondo); futebol masculino; e vôlei de praia feminino. Acertei na mosca somente um ouro e cinco medalhas. De acordo com meu prognóstico a frustração foi grande, uma vez que ela é sempre proporcional à expectativa criada.

Por outro lado, da minha lista de "medalháveis", somente João Derly não ficou entre os primeiros. E dos dez ouros que apontei, seis trouxeram alguma medalha. Sendo assim, percebe-se que a despeito da falta de transparência da utilização das verbas públicas no esporte, o Brasil hoje em dia consegue ser competitivo em várias modalidades olímpicas. Contudo, é aí que vem o complexo de vira-latas. A expressão criada por Nelson Rodrigues se refere a alguém que é superior, mas não consegue concretizar sua superioridade. Vários atletas de outros países, nas mais diversas modalidades, lidam muito melhor com o favoritismo do que os brasileiros. Até mesmo no futebol, esporte em que o Brasil se transformou no país mais temido e respeitado do mundo, os brasileiros ainda têm uma seríssima dificuldade em lidar com o favoritismo. Das cinco copas que o Brasil ganhou, em quatro ele não chegou como favorito. A exceção foi 1962. Todavia, quando os jogadores chegam criticados e sob suspeita, geralmente, eles conseguem responder bem. Talvez, só no vôlei masculino (vamos ver a partir de agora no feminino) o Brasil, hoje em dia, lida bem com o favorismo.

Não há uma explicação exata para isso. Talvez um caminho seja a psicologia, mais precisamente a psicologia do esporte. O técnico da seleção feminina de vôlei, José Roberto Guimarães, exigiu do COB um psicólogo para trabalhar a parte emocional das jogadoras. Pelo visto a iniciativa deu certo. Outro fator, talvez, seja a falta de gana necessária para ser ouro e não somente medalhista. Simbolicamente, a imprensa também tem culpa nisso com o seu derrotista "o Brasil já garantiu ao menos a prata", quando o país chega a uma final olímpica. Ora, a prata não é nada no quadro de medalhas, já que um ouro vale mais do que cem medalhas de prata. O atleta, caso estivesse entre os favoritos, tem que sair insatisfeito quando conquistar apenas a prata ou bronze. O conformismo é o pior inimigo de um verdadadeiro campeão, vide o piloto Rubens Barrichello. É isso, o atleta brasileiro tem que ter mais vontade de ser ouro. Sabendo que no esporte tudo pode acontecer, mas com a cabeça voltada para o ouro. Chineses, estadunidenses e russos pensam assim. Com isso, China, EUA e Rússia sabem jogar muito bem os jogos olímpicos, leia-se quadro de medalhas.

Dois exemplos emblemáticos da fraqueza psicológica brasileira se deram com Jade Barbosa e Fabiana Murer. Jade chegou à Pequim com um impressionante despreparo emocional. Ela simplesmente chorou de desespero ao ser abordada por um batalhão de repórteres em seu embarque na China. Ora, assédio da imprensa é a coisa mais natural na vida de um grande atleta, caso de Jade Barbosa. Quem viu a cena percebeu nitidamente que a ginasta ainda não está preparada psicologicamente para ser uma grande campeã. Tomara que isso mude, já que Jade tem muito talento. Já o caso da Fabiana Murer, atleta do salto com vara, revelou uma falta de serenidade diante das adversidades. Obviamente, foi um absurdo, uma gafe monumental da organização dos jogos, o sumiço de uma de suas varas. Agora, seu desespero, diante da adversidade, foi de tal ordem que ela acabou se auto-derrotando. Quem assistiu às imagens, percebeu que ela não teria condições nenhumas de realizar um bom salto. Dito e feito. A fenomenal Yelena Isinbayeva, sua companheira de treinamentos durante alguns meses, disse depois que poderia emprestar sua vara sem nenhum problema. Fabiana não pensou nisso e acabou obtendo um resultado frustrante. Seu desespero foi compreensível, mas poderia ter sido evitado.

Os aspectos psicológicos têm de ser melhor trabalhados nos atletas olímpicos brasileiros. E isso é bastante paupável. Se a preparação técnica, que é a mais difícil, já tiver sido feita feita, o preparo emocional se torna um simples, mas importante detalhe. Isso nos atletas de ponta, nos olímpicos. Porque na base há ainda muitíssima coisa a ser feita. O modo pelo qual o Estado brasileiro trata o esporte, enquanto fator de inclusão social e saúde pública, é vergonhoso. Números da Organização Mundial de Saúde (OMS) apontam que para cada dólar aplicado no esporte de base, economiza-se três dólares em saúde pública. O Brasil ainda não olhou seriamente para isso. Esporte, educação e saúde, enquanto políticas públicas, devem caminhar sempre de mãos atadas. Portanto, mais do que tornar o Brasil uma potência olímpica, os investimentos públicos em esporte têm a capacidade de educar, incluir e promover saúde pública. Massificar a prática do esporte só traz o bem para a população de um país. Mas os investimentos nos esportes de alto rendimento - com o conseqüente sucesso olímpico - também são importantes. Primeiro porque incentivam a prática do esporte dentro do país. Segundo porque, simbolicamente, o êxito olímpico traz uma certa auto-estima para o povo. Terceiro porque o mundo, certamente, lança bons olhos ao país.

Em resumo é isso. No Brasil, o esporte deve ser trabalhado, na base, como elemento de bem-estar social. Na outra ponta, nos esportes de alta performance, como fator de auto-estima, coesão entre os brasileiros e, claro, lançamento de oportunidades de trabalho. Esses investimentos ajudarão, inclusive, na superação do tal complexo de vira-latas. Não só nos esportes, mas também em outros aspectos. Educação, saúde e auto-estima são a base de um país bem-sucedido. Como diz o célebre provérbio latino: "mens sana in corpore sano"!

6 comentários:

chico macedo disse...

Bruno,

Psicologicamente, também me sinto assim. Quando uma competição começa a valer um refrigerante que seja, meu despenho cai consideravelmente. Por isso, sou fã de peladas e não corro muito atrás de campeonatos. Quando estou em um, prefiro competir com as atenções voltadas para o adversário.

Os técnicos de futebol brasileiros também perceberam essa realidade emocional dos atletas e tratam o conceito "favorito" como uma batata quente que jogam de um para o outro, ninguém quer assumir favoritismo pela confusão como o termo "sapato alto".

Quanto a vara da Fabiana, pensei em reproduzir uma piada envolvendo o episódio e um grande ginasta olímpico nacional, mas como já fui censurado uma vez pelo Sérgio por contar piada velha, vou me abster de repetir o hilariante trocadilho.

Um abraço, Chico.

Andrecatuaba disse...

Tem que dar arte e esporte pra garotada, senão fica complicado. Mas será que o brasileiro é menos competitivos que outros povos? Se for, será que isso é um problema?

Txt escrito com precisão e clareza!

Sérgio Bertoldi disse...

UFa... Ainda bem! Achei q o Chico ia realmente contar a piada da vara num comentário de um post sério e abalizado como este último.

Quanto ao complexo de vira-latas olímpico...Nao sei. É que talvez tenhamos expectativas demais pra uma competiçao só.

É muito foco e muita expectativa para uma competiçao que só dura 2 semanas e pouco a cada 4 anos. Em parte culto a imprensa por isso.

Várias vezes tivemos campeões mundiais nestes esportes olímpicos, mas isso só repercute na hora de indicar quem são os nossos favoritos pra "única competição que importa" no mundo (ao menos por aqui entre nós, ao que parece e transparece pela tv).

ACho que nos livraríamos dessa síndrome se encarássemos todas os campeonatos da mesma forma (tá, isso seria muito difícil, mas pelo menos com mais atençao).

Seria legal ver um campeonato mundial de atletismo em plena rede aberta de tv. Mesmo que com flashes ao vivo. Sei lá. Isso daria mais importancia a estes esportes, e os atletas conviviram mais com a "pressão" dos nossos olhos, dos olhos da imprensa. etc

Mas isso é só um ponto. Acho sim q muita coisa tem q melhorar em termos de desempenho e - PRINCIPALMENTE - nas políticas públicas de esporte "alternativo" ao futebol.

tresporquatro disse...

Acho que vale, como historiador, observar essa ressonância da cultura helênica entre nós. Fato é que, numa análise "cultural" (seja lá o limite que tal conceito possa carregar), somos impelidos a vencer. Isso soa óbvio? Pois, pra mim, não é tanto. Por mais que nossa cultura ocidental tenha se habituado a essa forma de expressão soa como um mantra que ecoa de nossa cultura. Nisso somos bons. Aliás, os melhores. Somos um povo de festa, de farra.

E em minha análise, aponto as Olimpíadas como o lugar preferencial para essa sanha desvairada de vencer a qualquer preço. Idéia que o governo chinês comprou e fez a maior edição das Olimpíadas da história (mesmo envolta em teatralizações, como o caso da menina cantora/dubladora que eclipsou a dona da voz, supostamente mais feia; mesmo com o "fato" de que muitos dos espectadores dos jogos foram "convidados" pelo próprio governo Chinês; mesmo sendo o ambiente de ar mais escandalosamente poluído de todos os tempos; mesmo com a (ENORME) questão do Tibet...).

Enfim, este comentário serve apenas para apontar que há uma série de outros pontos que devem, na minha opinião, ser abordados antes mesmo de pensar em o quanto o Brasil poderia (ou antes, deveria) ter sido melhor. Pois, sinceramente, acho que pensar em fazer o Brasil entrar nesse esquema da busca impensada (e, às vezes, insansata) pelo limite do limite do corpo humano, menos importante que imaginar o quanto o esporte traz (ou pode trazer) simplesmente, sidadania. Sem essa obrigação da vitória, sem o compromisso, cuja origem, crê-se, paira sobre eras pregressas da história ocidental, de mostrar às demais nações que a sua é... superior. Superior?

Sérgio Bertoldi disse...

Mas é interessante tb outro ponto que Chico tocou (por favor, sem trocadilhos).

Vejo que sou o contrário dele. EM campeonato e competiçoes eu fico muito mais "ligado" e eficiente do que jogando uma pelada normal, tranquila.

Basta lembrar - e o Bruno pode fazer isso - das Hobsbawns da vida (principalmente dos jogos contra 2002 deste e do ano passado), do jiunbs (titular do futebol de areia, disputa de penalties contra a ed. física, 2 gols em poucas participaçoes no fut. de campo).

Enfim... já na pelada levo muito na boa, nao corro tanto, nao marco. etc (embora isso esteja mudando aos poucos)

bom... é isso... interessante as diferentes reaçoes do ser humano às mesmas situaçoes!!

quem poderá explicar??

nico disse...

BRUNO JA ABRI UM BLOG historiayliteraturasiglo21