terça-feira, 27 de maio de 2008

Televisão





"A televisão me deixou burro, muito burro demais". Muita gente tende a concordar com esses versos. Nessa perspectiva, a TV é considerada alienante e cumpre um perverso papel social de manutenção do status quo. Em palavras marcadamente marxistas, funciona como o ópio do povo e mantém o poder das elites dominantes. Mas, até que ponto isso é verdade?

Bom, não resta dúvidas de que hoje em dia a qualidade da programação da televisão brasileira é muito ruim. Muitos programas de fofoca, novelas com enredos pobres, telejornalismo tendencioso, sem falar nos abomináveis programas neopentescostais. Sendo isso inconteste, a pergunta que fica é: por que ela tem que ser assim? A TV tem em sua essência esse lado "emburrecedor"? Penso que não. Ela é muito ruim hoje em dia, entretanto, poderia ser bem melhor. Então o que está errado?

Primeiramente, cumpre salientar que o espectro eletromagnético, por onde passam as ondas da televisão, é público. O referido espectro é finito e limitado, ou seja, não tem para todo mundo. Mas, como é feita essa repartição? Aí está o "x" da questão. Como o espectro é público, a divisão é feita mediante concessão pública. Cabe então ao governo conceder ao grupo, família ou empresa dada emissora de TV ou de Rádio. Em tese, a concessão é dada ao grupo que apresentar a melhor proposta de programação para a sociedade brasileira. Em outras palavras, ganha a concessão a proposta que melhor atender aos requisitos constitucionais relativos à comunicação: informação, educação, cultura...

Tudo isso é "bem em tese". Na verdade o que manda nesse caso é o jogo de poder e de interesses privados. Magnatas, políticos e religiosos são os verdadeiros donos da TV e do rádio brasileiros. Eles abocanham praticamente a totalidade das concessões públicas. Aí se iniciam as perversidades. Pouquíssima gente sabe que uma concessão de rádio dura 10 anos e uma de TV dura 15 anos. Por que ninguém sabe? Ora, porque a divulgação dessas informações cabe exatamente aos grupos que estão sendo beneficiados com todo esse cenário nebuloso. Sendo assim, ninguém fica sabendo quando será a renovação da concessão de dada emissora. Se soubessem, eventualmente, grupos poderiam pressionar o governo a não renovar com essa ou aquela TV. Foi exatamente isso que Hugo Chávez fez na Venezuela, em 2007. Ele esperou paciente e democraticamente a concessão da RCTV expirar e não fez a renovação. Tudo isso constitucionalmente e respaldado pela maioria da população venezuelana. Como a televisão e o rádio brasileiros se posicionaram sobre o caso? Mentindo, ou no mínimo, omitindo informações. Disseram que Chávez arbitrariamente fechou uma inocente emissora de TV que "apenas" fazia oposição ao seu governo. Não falaram, por exemplo, que a mesma RCTV esteve diretamente ligada à tentativa de golpe de Estado que Chávez sofreu em 2002. Então é óbvia a razão dessas omissões. Eles não querem que exemplos como esse se repitam no Brasil.

A mudança da tecnologia da TV e do rádio de analógica para digital aumentará o espaço para as ondas dentro do espectro eletromagnético. O número de emissoras triplicará. O que acontecerá? Das duas uma: ou haverá uma maior democratização ou os grupos que monopolizam hoje em dia ampliarão ainda mais seus tentáculos. Cabe um intenso debate, portanto. A TV e o rádio digitais já estão chegando na crista da onda e esse debate ainda permanece gélido. Elementar meu caro Watson, esses grupos querem aumentar seus domínios e não utilizarão "seus espaços" para promover esses debate. Se o fizer eles sabem que certamente perderão e as novas emissoras digitais serão melhor divididas.

Agora vai um dado bizarro. Muita gente ao trocar de canal já se deparou com programas do tipo "Show da Fé", "Programa José de Paiva Neto" (LBV), ou aqueles que vendem grelhas e outros utensílios do lar. Esses programas obviamente não são produzidos pelas emissoras que os veiculam. A Bandeirantes, por exemplo, não produz o "Show da Fé, a despeito dela transmití-lo em horário nobre. Como isso é possível? Simples. As emissoras desavergonhadamente vendem horários de sua grade para a transmissão desses programas religiosos ou de merchandising. Ora, mas o espectro não é público? É... trata-se de mais uma agressiva apropriação do público pelo privado. Se a BAND ganhou a concessão, digamos que ela tenha todo o direiro de produzir sua programação. Agora, não tem nenhum direito de vender parte de seu espaço para outros grupos, já que esse espaço é público e ela é apenas concessionária. Portanto, quando virem no início de um programa a frase: "esse programa é uma produção independente e é de total responsabilidade de seus realizadores", lamente, proteste e (ou) vomite. É muita bizarrice!

A televisão é um dos poucos serviços em que o consumidor não tem como reclamar. Nenhuma emissora tem um serviço de ouvidoria para saber no que elas, eventualmente, podem melhorar. Os serviços de coleta de lixo, distribuição de energia elétrica, ou telefonia podem ser ou estarem ruins, mas ao menos tem-se meios para reclamar e cobrar providências. Com A TV não, o controle inexiste por completo. Aliás, quando se fala em controle, a família Marinho, o grupo Sílvio Santos, Edir Macedo e a família Saad (grupos que praticamente mandam sozinhos na televisão brasileira) vêm com pedras na mão. Eles alegam que todo e qualquer tipo de controle é censura. Ora, mas é evidente que toda prestação de serviço necessita de controle. Várias TVs européias têm serviços de ouvidoria.

A continuar como está, os poucos grupos que mandam na televisão brasileira continuarão cada vez mais poderosos e a qualidade de suas programações continuarão ruins. Não vejo nenhum exagero em considerar que a grande imprensa é o quarto poder no Brasil. Não obstante, se se considerar que pouquíssimos brasileiros lêem jornais, constata-se que a população se informa pelo rádio e, sobretudo, através da televisão. Sendo assim, o verdadeiro quarto poder é a televisão. O maior problema é que ela é um poder sem controle. Bem ou mal, os outros três poderes têm mecanismos de regulação e controle. A TV não. Daí todo seu poder e influência no Brasil. Basta lembrar que ela já elegeu e derrubou presidentes!

3 comentários:

chico macedo disse...

muito didático o texto, bruno. alguns outros aspectos fundamentais:

- televisão no quarto inibe o apetite sexual.

- televisão no quarto contribui para um sono de pior qualidade.

- se alimentar em frente a TV é uma prática condenada pelos nutricionistas.

- televisão ligada na mesa do almoço é condenado pelos defensores da família brasileira.

- televisão não exige o movimento de nenhum músculo a não ser o de apertar o botão do controle remoto e o que mantém os olhos abertos.

- televisão também faz um mal lascado para a coluna.

abraço, chico.

Andrecatuaba disse...

Olhe aí o artigo 220, parágrafo 5 da Constituição Federal: "Os meios de comunicação não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio." Ora o Brasil conta com 91 emissoras espalhadas pelo país, 17 delas de propriedade da família Marinho, mais que o dobro da segunda rede, que é o SBT. Esses dados eu tirei de um livro do Eugênio Bucci, de 1997. Hoje, 11 anos depois, não deve ter melhorado muito. Talvez a Record tenha ultrapassado o SBT como segundo lugar. No mais, infelizmente o que se vê no Brasil é fortalecimento desses conglomerados, quando no resto do mundo, em função da internet e da tecnologia via satélite, anda ocorrendo uma saudável pluralização e desconcentração. A qualidade da TV aberta do Brasil é péssima, mas acho que menos em função do maquiavelismo dos seus donos e mais porque a população é semi-analfabeta e quer é ver bagaceira mesmo. Eles fazem pesquisas de opinião para saber o que o povo que ver. Se passa merda, é porque merda dá audiência. A TV cultura até que tem uns programas bacaninhas, mas sua audiência é pífia. E não morro de amores pela Globo, mas devo admitir que o Globo Esporte (que vejo quase todo dia) é um programa bem feito. No mais, prefiro um bom livro.

Huguera disse...

Cara, a televisão é um meio impressionante mesmo. Mas é foda ficar horas na TV por mais que a programação seja boa. Além de melhorar a programação o pessoal deveria desligar o aparelho de vez em quando também.

Ler um livro, escutar música, aprender alguma coisa, trocar uma idéia com alguém, ir na orquestra sinfônica, tomar uma gelada no bar, dar uma volta e dar um pito. Sei lá, ficar só na frente daquilo é feio demais...