segunda-feira, 5 de maio de 2008

Por uma reforma política




Estamos em um ano eleitoral. Como sempre, quando eleições estão iminentes, fala-se muito na necessidade de uma reforma política no Brasil. Muitos dizem que o modelo brasileiro é imperfeito. Que beneficia em muito os que detém o poder econômico. Ou que o voto de um amapaense vale mais do que o de um paulista. Mas, afinal, tem-se mesmo que se fazer uma reforma política no Brasil? O que deve mudar ou continuar? Vou aqui dar as minhas opiniões.

Comecemos com um aspecto que pouco se discute, mas que tem grande importância no debate sobre a reforma política. Trata-se da obrigatoriedade do voto. Em tese, o voto, por ser considerado mais um direito do que um dever, não deveria ser obrigatório no Brasil. Em tese. A obrigatoriedade do voto foi aprovada pela Constituição de 1988 para conferir legitimidade a um determinado eleito. O que isso quer dizer? Por exemplo, as vitórias de Collor (1989), FHC (1994 e 1998) e Lula (2002 e 2006) não sofreram nenhum tipo de contestação mais forte (golpismo) por parte dos perdedores, pelo fato de a maioria esmagadora da população brasileira ter comparecido às urnas. Ora, em países em que o voto é facultativo, via de regra, menos da metade dos eleitores comparecem ao pleito. Sendo que em alguns casos eles giram em torno de 30%. Parece-me um contrasenso 30% dos cidadãos decidirem pela totalidade, ainda que os 70% que não compareceram, o tenham feito por vontade própria. É certo que a referida crise de legitimidade não atinge os vencedores em vários países em que o voto é facultativo. Mas pensemos no Brasil. Imagine se somente 40% dos eleitores brasileiros tivessem comparecido às urnas em 2006. O que estariam fazendo o DEM e o "Movimento Cansei"? Provavemente, o mesmo que a UDN fez durante o governo JK: contestando a eleição. Em 1955, JK teve cerca de 35% dos votos (na época não havia segundo turno, precisava-se apenas de maioria simples). Sim, ter segundo turno também é muito importante. No popular, quando o voto é obrigatório e tem segundo turno, os perdedores não têm chororô, afinal todo mundo votou e a vitória foi por maioria absoluta.

Além disso, penso que o voto, apesar de ser um direito, também é dever. Muitos dizem que querem ter a liberdade de fazer um churrasco, em vez de comparecer à votação. Se todo domingo tivesse eleição eu concordaria com esse argumento. Mas não, a pessoa tem que comparecer duas vezes (se tiver segundo turno) a cada quatro anos. E ser não for de Brasília, uma ou duas vezes a cada dois anos. Além do mais, a pessoa pode votar às 8 horas da manhã e ter o resto do dia todo livre para fazer o que bem entender. Sendo assim, tendo em vista que a democracia é o regime do povo para o povo, todos tem que exercer essa responsabilidade, no caso o voto. Em outras palavras, o voto não faz mal a ninguém. Ele só faz bem, pois educa e ajuda a construir a cidadania.

Mudemos de tópico. Falemos agora de financiamento das campanhas eleitorais. Ele deve ser público ou continuar do jeito que está? Defendo que deva ser público. Caso o financiamento seja público, as verbas serão repartidas de maneira justa (pelo tamanho da bancada). Do jeito que está há um desequilíbrio muito grande. Um candidato muito rico consegue se eleger facilmente, pois faz uma campanha caríssima, o que acaba decidindo. Além disso, o financiamento público freiaria o chamado caixa 2 nas campanhas eleitorais, dado que seriam proibidas doações de privados para os candidatos. Deixaria de acontecer por completo? Não, mas o controle seria muito mais fácil, afinal se determinado candidato tivesse uma quantidade muito maior de material de campanha do que outros, concluiria-se que ali teria algo de irregular.

Próximo ponto: cláusula de barreira. Sou a favor. Penso que se determinada sigla não atingir um número mínimo de votos, ela não tem razão de existir enquanto partido político. Pode virar uma ONG ou atuar de outras formas nos movimentos sociais. Pode também ingressar como uma tendência interna em outro partido político ou fundir-se com outro(s). Pode ainda trabalhar para que na próxima eleição o partido consiga atingir a cota mínima da barreira. A cláusula de barreira estava prevista nas eleições de 2006. Sete partidos conseguiram ultrapassá-la: PT, PMDB, DEM, PSDB, PSB, PDT e PP. Entretanto, em 2007, uma "canetada" do ministro do STF Marco Aurélio Mello, então presidente do TSE, revogou a cláusula, alegando inconstitucionalidade. Um erro. Sete me parece um bom número de partidos políticos. Temos no Brasil mais de trinta hoje em dia. Não acredito que haja mais de trinta ideologias justificando esse número todo de partidos.

Proporcionalidade. A constituição cidadã foi contraditória nesse quesito. Ela estabeceu que os estados seriam representados de forma proporcional na Câmara Federal. Justo. Mas estabeleceu teto e piso de deputados por estados, uma aberração. Isso fere um dos mais básicos pressupostos da democracia e da república: "para cada cidadão um voto". Ora, se haja o que houver, Roraima tem o mínimo de 8 deputados (piso) e São Paulo o máximo de 70 deputados (teto), o voto do roraimense vale mais do que o do paulista, isso porque a população paulista cresce muito mais do que a de Roraima. A origem do piso e do teto está no Pacote de Abril, de Geisel. O regime militar, em mais uma de suas manobras visando sempre ter maioria parlamentar, estabeleceu que qualquer estado teria um número mínimo de deputados (os estados menores eram menos politizados e davam sustentação para o governo). Estabeleceu também que haveria teto. Os estados mais populosos (grandes centros) eram e são mais politizados e o MDB era mais forte justamente neles. Portanto, o teto e o piso vinham a calhar para a ditadura. De todo modo, a constituinte não acabou com o artifício e a aberração continua. Tem que haver proporcionalidade, porém sem piso e teto.

Voto proporcional ou distrital para deputados federais, estaduais, distritais e vereadores. Defendo a continuidade do voto proporcional. Dizer que no voto distrital o eleitor controla melhor o eleito é uma falácia monstruosa. Durante a República Velha (1889-1930) vigorou o voto distrital no Brasil e o que se constatou foi o aumento do clientelismo, ou seja, do eleito controlando seus eleitores. Outra injustiça: se em determinado distrito, um candidato tiver 51% e outro 49%, este simplesmente fica fora, ainda que tenha tido número significativo de votos. No modelo proporcional isso não ocorre. Quem é bem votado, ou seja, atinge o chamado quociente eleitoral, garante sua eleição.

Pois bem, há outros pontos a serem discutidos: unicameralidade versus bicameralidade; voto em lista partidária versus voto em candidato; senador suplente (sem nehum voto popular); emenda orçamentária individual; terceiro mandato. Como o texto já está extenso e cansativo o farei em outra oportunidade. Respondendo às perguntas do primeiro parágrafo, considero que deve sim haver uma reforma política no Brasil. Ela deve manter alguns aspectos e mudar outros. Deve-se manter o voto obrigatório e o voto proporcional para deputados e vereadores. Por outro lado, deve-se mudar o financiamento das campanhas, acabar com teto e piso de deputados por estados e estabecer a cláusula de barreira. 3 x 2 para as mudanças, jogo equilbrado. Portanto, reforma sim, mas sem jogar tudo fora. É isso. Até o Por uma reforma política II !

Um comentário:

Andrecatuaba disse...

Valeu, Bruno. Texto de fácil leitura e bem explicativo, apesar do tema espinhoso e não muito empolgante. Recomendo o "Ensaio sobre a lucidez" do Saramago, que trata de um país imaginário onde, sem nenhuma explicação aparente, toda a população vota em branco, uma espécie de reflexão sobre a validade da democracia no mundo atual. E a verdade é que a democracia, apesar de todas as suas falhas, é a menos pior das formas de governo.