segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Eleições "democráticas" nos Estados Unidos





É muito grande a expectativa do mundo acerca da eleição presidencial nos EUA em 2008. A maior parte do planeta já não aguenta mais a "doutrina Bush", com todas as suas prepotências e bravatas, tais como: "eixo do mal", "guerras preventivas" e combate inexorável ao terror "em nome da segurança da América e do mundo civilizado". Em suma, a maior parte das pessoas desejam uma oxigenação nas relações entre os EUA e o restante do mundo.

Certamente, não será o senador republicano pelo estado do Arizona (sim, um dos estados sulistas mais conservadores dos Estados Unidos) John McCain que trará essa desejável renovação. É bem verdade que McCain não está entre os republicanos mais conservadores, mas de qualquer modo é um homem da guerra fria, afinal é um veterano da Guerra do Vietnã, além de ser filho de militares estadunidenses.

Conseqüentemente, a referida renovação deverá vir do lado democrata. Estão no páreo, entre os democratas, duas interessantes novidades: os senadores Barack Obama (Illinois) e Hillary Clinton (estado de Nova Iorque). Estou fazendo questão de mencionar os estados que os três principais candidatos à Casa Branca representam, porque o abismo de mentalidade ainda é muito grande entre o norte e o sul do país. Em outras palavras, no tocante à política, Illinois e Nova Iorque são estados historicamente mais progressistas do que Arizona, muito famoso nos filmes de bang bang.

Por que Obama e Hillary são novidades, já que esta, por exemplo, foi por oito anos a primeira-dama do país? Pelo fato de Hillary ser mulher e Obama ser negro. Essas, sem dúvidas, são as principais novidades. Simples assim.

Porém, conforme dito acima, Hillary Clinton fez diretamente parte do poder por dois mandatos (1992-2000). O mais impactante é que caso ela vença, a família Bush e a família Clinton cumprirão o sexto mandato consecutivo. As duas famílias se revezam no poder desde 1988. Nesse caso, a novidade efetiva é mesmo Obama.

Barack Obama é filho de pai queniano com mãe estadunidense. Atualmente, é o único senador de ascendência africana dos EUA. Além disso, ele tem apenas 46 anos, idade muito reduzida no que se refere aos padrões tradicionais do universo político. Obama tem um discurso bastante afiado, uma excelente oratória e uma visão holística do mundo (pelo menos é isso que ele vem apresentando na campanha). Esses são seus atributos e suas armas para derrotar primeiramente Hillary nas primárias democratas, para em seguida derrotar o candidato republicano (provavelmente McCain) na eleição de novembro. Estou com Obama, mas Hillary também não seria ruim para o mundo não. McCain seria péssimo.

Para finalizar, vale duas reflexões sobre a democracia nos EUA. A primeira delas (já batida, mas nunca é demais lembrar) é chamar a atenção para engessadíssimo bipartidadarismo estadunidense. Existem vários partidos no país, o problema é que só o Democrata e o Republicano têm chances reais de chegar à Casa Branca. Isso porque não existe lá uma justiça eleitoral nacional, ou seja, são os estados membros da federação que organizam o pleito. Sendo assim, cada estado tem a prerrogativa de registrar ou não dado partido político. É óbvio que muitos estados optam por só colocarem dois nomes nas cédulas, o do candidato democrata e o do republicano. Isso não me parece muito salutar para a democracia. Se é verdade que no Brasil temos partidos demais, nos EUA existem (efetivamente) partidos de menos. Cabe um meio termo, cinco partidos me parece próximo do ideal.

A outra é lembrar que a eleição presidencial estadunidense é indireta. Um candidato pode ter mais votos populares e não levar. Isso aconteceu com Al Gore em 2000. Ele teve mais votos populares que Bush naquele pleito, porém teve menos delegados no colégio eleitoral. Isso se deu porque o candidato que tem mais votos populares em determinado estado (ainda que seja por uma diferença mínima) ganha todos os delegados para o colégio eleitoral, onde se decide tudo. Em 2000, Bush teve cerca de 500 votos populares a mais do que Gore, na Flórida (vale lembrar que isso se deu graças a uma fraude eleitoral). A Flórida tinha direito a 25 delegados no colégio eleitoral. Mesmo com uma diferença ínfima de votos em relação a seu oponente, Bush levou todos os 25 delegados. Esse estado acabou decidindo a parada, já que a eleição foi apertadíssima. Não seria mais razoável Bush ter levado 13 delegados e Gore 12?

Essas reflexões são importantes porque geralmente ninguém critica a democracia estadunidense. Muita gente gosta de se meter em assuntos internos da Venezuela e da Bolívia, descaracterizando e deslegitimando a democracia nesses países, mas não fazem o mesmo em relação aos EUA. Nunca vi ninguém defender uma intervenção externa, para garantir que o presidente dos EUA seja eleito pelo voto polular. Para a "América" vale a autodeterminação dos povos!

3 comentários:

Huguera disse...

Muito interessante como os estadunidenses questionam tudo quanto é democracia por aí e não discutem o próprio modelo, que é uma coisa ridícula sob vários aspectos.
Torço pelo Obama (será que essa história de visão holística dele é realmente uma coisa pra se levar a sério), acredito que será o melhor para os EUA e para o mundo. Se bem que uma vitória do McCain poderia acelerar a derrocada do império, e a China vem aí...

Andrecatuaba disse...

De fato nunca entendi esse sistema eleitoral norte-americano. E ser negro ou ser mulher não melhora em nada um político corrupto. E cinco partidos me parece um bom número.

chico macedo disse...

opa,

muito bom o panorama. difícil de ver nos jornais algo do tipo. A observação sobre a autodeterminação dos povos é ótima nesse contexto.

Nunca li nada a esse respeito pra esse caso em específico. Acho uma grande sacada - que rende, inclusive, outros textos na mesma linha sobre a história da política internacional norte-americana: o rei do "faça o que eu digo - não faça o que eu faço" das relações internacionais.

É isso. Só não dá pra encaixar uma coisa: como um discurso lógico, com idéias bem apresentadas e consistentes pode ter como autor um vascaíno assumido? O ciclo não se fecha, entende?

abraço, chico.